Às 12.38 já estavam 20 pessoas à espera. Pus o nome na lista, apreciei a vista sobre os mamarrachos de betão em redor, e quando voltei a espreitar para a sala havia grupos em debandada. Pelas 12.45 fiz o pedido, pelas 12.49 tinha um prato de caras de bacalhau à frente, uma imperial e uma empregada disponível para, entre 70 clientes ruidosos, se lembrar de me trazer pimenta branca e de me sorrir.
Quando fui pagar, ao balcão, Rui Silva, o dono, disse-me que era “um dia fraco”, por ser segunda-feira. No resto da semana o Rui do Barrote roda várias vezes os 90 lugares por dia e eu estou em crer que haverá poucas casas com esta frequência, nesta cidade.
As razões são três. Primeira, a grelha. Junto à janela, o mestre da brasa vira costeletas à lagareiro e picanhas e maminhas como um saltimbanco a lançar massas nos semáforos. Não espere maronesas, nem porco de brasão alentejano, mas conte com proteína animal bem grelhada e no ponto. O enorme churrasco bufa reacções de Maillard e umami como um comboio a vapor, deixando a turba a salivar, e tudo acompanha com batatas fritas de palito cortadas à unha, a fritura já naquele loiro com madeixas escuras.
De resto, não há frescuras nem verduras. Não se vê uma folha de alface, uma cenoura ripada, um grelo, uma couve. “Tem legumes para acompanhar as caras de bacalhau?”, pergunto. A mulher responde que não, como se lhe estivesse a pedir um topping de caviar.
Hidratos e proteína. Sustento e rapidez.
A segunda razão do sucesso do Rui do Barrote é, precisamente, a velocidade, a urgência do serviço. As duas empregadas a oficiar neste dia são duas máquinas. Entre um olho na CMTV e outro na SportTV, conto 72 clientes sentados às mesas, mesas corridas como num arraial, e elas dão conta de tudo sozinhas, seguindo um método muito próprio.
Regra número 1 das empregadas-máquina: não se entrega o menu. “Eu sou o menu”, atira-me a minha campeã do serviço, começando depois a debitar pratos. Omite o frango estufado e o bacalhau à minhota, ou porque já esgotou ou porque sai mais depressa ou porque lhe pareço pessoa para preferir partes de peixe viscosas.
Na verdade, caras de bacalhau era tudo o que queria. Que petisco, que raridade. As bochechas em lascas, as kokotxas (a papada do peixe ou garganta) intactas e depois as peles ricas em colagénio, melhor que cremes da La Prairie, para comer com grão cozido e duas batatinhas, não faltando sequer uma cebola picadinha e fresca, tudo regado com azeite em barda.
Procuro saber se há dia certo para as caras de bacalhau. A resposta remete para a regra número 2 do serviço-canhão: nunca deixar o cliente sem resposta, mas nunca alinhar mais de três frases – ou seja, nunca conversar. “Sempre que temos. Normalmente à segunda”, dispara a mulher-flecha, já a caminho da mesa das cabeleireiras ali ao lado, enquanto desenrolha uma Conde de Arroios tinto. Fá-lo sem olhar para a rolha, nem para o saca-rolhas, nem para as cabeleireiras, nem para mim, porque esses preciosos cinco segundos devem ser gastos a varrer as mesas e identificar onde acorrer de seguida.
A terceira razão do sucesso do Rui do Barrote é o preço. A conta faz-se ao balcão. O dono da registadora pergunta-me o que comi, como se fosse cliente antigo da casa e eu começo a debitar o cardápio. Antes de chegar ao fim, interrompe-me. “Doze euros”, diz. Como se houvesse preço fixo. Como se ninguém dali pudesse sair a pagar mais do que 12€.
Em síntese. O Rui do Barrote mudou de sítio, de Marvila para uma terra de ninguém, entre a Penha de França e o rio Tejo, por decisão do anterior senhorio. Hoje, talvez esteja um bocadinho mais cantina, mas mantém a missão de aviar grelhados ao operariado e a administrativos em pré-reforma, bem como o espírito combativo do seu Clube Oriental de Lisboa, emblema histórico da cidade e talismã da casa, devidamente exposto nas paredes, sob a forma de camisolas.
Podem tirar o Barrote de Marvila, mas não tiram Marvila do Barrote.