Assim que dei a primeira dentada no senbei de choco pressenti que não ia comer nada mais guloso naquele jantar.
Aconteceu logo ao início da refeição e, no final, confirmaria o prognóstico – não porque o resto da comida tenha sido fraco, mas porque a abertura foi uma bomba de sabor difícil de bater.
É claro que aconteceram outras coisas boas, nos dois jantares que lá fiz, recentemente, um ao balcão, sozinho, outro acompanhado, à mesa – sempre debaixo da batuta de Lucas Azevedo, o chef luso-brasileiro à frente do restaurante (que me reconheceu).
Houve momentos delicados, como o da alface romana levemente queimada com molho de pirikara, notas a sriracha (o célebre picante asiático) e a sésamo; ou a versão do tataki de carapau, aqui sobre uma fatia de tofu sedoso e folha de shiso, com os seus aromas anisados.
E houve outros momentos mais intensos, como a da enguia grelhada, com arroz temperado e gema de ovo, uma bomba de umami; ou o pão de caril, bola de massa frita recheada com o caril japonês.
Também se bebeu bem. Primeiro, um cocktail simples, à base de tequila, yuzu (o citrino japonês) e togarashi (a mistura de pimentas japonesa). Depois uma cerveja artesanal, feita por um amigo de Lucas Azevedo, uma IPA bem equilibrada, servida a copo.
Pena os sakés serem limitados, só um a copo, e à garrafa um Soto e um Zaku Impression, com valores de 75€ e 100€, respectivamente; e nos vinhos haver já falhas de stock por limpar do menu digital, como o pet nat Ensaios Altos, de Márcio Lopes.
De resto, as opções a copo nos vinhos também é curta e as garrafas começam nos 25€ (Marquês de Lara, da região dos Vinhos Verdes), e a acabam nos 107€ (o bairradino Transmission), para os brancos. Pelo meio, há coisas menos comuns e boas, como um Domínio do Açor, feito de cerceal-branco.
Já nos tintos, menos opções, mas diversificadas e conhecedoras, com o belíssimo clarete do algarvio Morgado do Quintão (34€), devidamente refrescado, a poder ser uma boa opção para refrescar a refeição.
E pode ser preciso mesmo refrescar-se com líquidos, porque nas duas visitas que lá fiz o ar condicionado não estava a funcionar e isso fez-se sentir, numa semana de muito calor. Isso foi, aliás, o pior das duas refeições, um calor que nem as ostras atenuaram, ambas saborosas, mas com a carne estraçalhada e detritos da concha nos sucos.
Nada que desfizesse o resto da experiência e, sobretudo, o tal senbei de choco com que abri este texto – esse couvert que Lucas podia servir numa rulote e vender como se fossem farturas.
E de que se faz esse petisco? O senbei de choco é uma bolacha à base de moluscos ou marisco, devidamente prensado, até ficar fino e crocante como uma cracker, muito comum nas ruas de Tóquio, também com camarão ou polvo.
No Ryoshi, a bolacha é acompanhada de uma bolinha de maionese japonesa com kimchi, o fermentado de couve coreano que torna tudo ainda mais emocionante. No dia em que a comi, estava absolutamente perfeita, estaladiça, e podia imaginar os japoneses às voltas no mercado do Tsukiji, com estas grandes bolachas na mão.
O salto requer, contudo, algum poder de imaginação, uma vez que o Ryoshi está longe desse ambiente. Escuro, com um balcão comprido (onde me sentei) e música alta – um dancing electrónico bom como preliminares das deambulações no Cais do Sodré –, o sítio quer ser sofisticado e nocturno, nem izakaya (a taberna japonesa), nem balcão de omakase, solene e religioso.
O slogan do restaurante, aliás, faz questão de tornar isso programático, ao afixar na parede a frase “Omakase is Dead”. O omakase é a modalidade em que o chef escolhe o menu de degustação que vai servir. O cliente não pode pedir à carta e nem sempre sabe o que lhe vão servir.
O estilo omakase tem proliferado como ostras em Lisboa, quase sempre no registo balcão de sete ou oito lugares, com um sushiman do outro lado a moldar niguiris no momento, nem sempre se justificando o preço cobrado. Aqui, fazem-se poucos niguiris (ainda que eles existam), mas do outro lado temos um chef atento, dedicado e livre – e isso costuma dar coisas boas.