Oh, sim, eu fico excitado quando vejo um menu escrito em caracteres chineses na parede. Oh, sim, eu fico agitado como uma criança numa piscina de gomas se me dizem que o prato do dia é ossos guisados e se as panquecas salgadas são as mais finas e bem assadas de Lisboa.
Pois é. Há um novo restaurante autêntico chinês em Lisboa e isso significa que temos mais coisas para descobrir.
A notícia foi-me sendo passada através do Whatsapp, desde há uns meses, por amigos sem medo de serem felizes: “Tens de vir aqui”, garantiam, partilhando fotos de raviolis e tigelas fumegantes. Assim que me estreei no restaurante, percebi a que se referiam.
A localização não é a mais simpática do mundo. Ocupa as antigas instalações de uma casa de má fama, em Sete Rios, mesmo ao lado do Nortenho, onde cheguei a ir para comer lampreia, há uns anos. É um beco de aromas não particularmente florais.
Lá dentro, todavia, a sala é impecável, sem o habitual folclore plastificado para impressionar o tuga do chop suey, antes uns candeeiros de verga, bonitos, um quadro escrito com as comidas em caracteres chineses, do lado esquerdo, e outro com fotos da ementa e traduções de google translator em português (algumas muito literárias, como “propostas de frango”).
Para navegar na ementa, é preciso ter em atenção que há três possibilidades. Se tiver semblante ocidental, o mais certo é a empregada dar-lhe a ementa plastificada para portugueses, onde se listam o frango com amêndoas e o porco agridoce costumeiro.
Há depois uma outra, também traduzida, que já tem pratos autênticos chineses – ementa essa que está também estampada com fotos na parede. E, por fim, o tal quadro em caracteres chineses, sem imagens, que acrescenta especiais do dia e mais uma ou outra preciosidade que, com sorte, conseguirá sacar da empregada.
As empregadas que conheci eram ambas simpáticas, mas a do jantar mais expansiva e detalhada nas explicações.
Dos donos não espere comunicação, que não se expressam na língua de Camões, tendo vindo do Nordeste da China – suspeito que da região de Harbin (um dos pratos de assinatura da casa é o porco Dongbei Guo Bao Rou, aí criado).
Na cozinha, a mulher é uma máquina e toma conta de tudo, dos tachos ao mobiliário inox, que limpa até ficar reluzente como um diamante Swarovski. Um dos cozinheiros é grande e largo e de semblante carregado, todo de preto com um fio grosso ao pescoço: ficaria bem num filme de série B sobre o submundo das tríades de Macau.
No que respeita a comidas, uma refeição perfeita pode começar com os raviolis de alho francês e com as pizzas chinesas de Qingtian (mais uns calzones recheados com carne seca e espinafres).
Obrigatório são também os dardos de feijão verde fritos no wok, com sal, a lembrar os pimentos padrón, ainda que sem qualquer picante. Depois, o entrecosto frito, sequíssimo, com alho, mas também o frango frito em polme e a carne de panela, um dos pratos-emblema da casa.
A sopa ácida-picante é rica e potente no vinagre, vale muito a pena a abrir ou a fechar a refeição.
Lembrar que nos restaurantes autênticos chineses não existe o conceito de sobremesa, mas aqui pode-se adoçar a boca com a batata doce fá-si.
Do que se provou, estava tudo belíssimo, à excepção de uma sopa de noodles cheia de coisinhas lá dentro, uma espécie de surf and turf, com tripas e legumes e delícias do mar (saborosa mas, enfim, com delícias do mar).
O Sabor Oriental veio dar-nos mais opções de verdadeira cozinha chinesa. O meu sonho é que fosse acrescentando mais pratos do dia, mais tesourinhos, e que aquele pote de ferro, que os clientes chineses parecem adorar, em vez de amêijoas vietnamitas tivesse lá dentro amêijoas da Ria Formosa.
São, todavia, exigências difíceis de cumprir quando a factura, num jantar a quatro, fica a 15€ por pessoa.
Vão lá, vão com respeito, mostrem o vosso amor.