Se nunca provou pimenta de Sichuan, tem uma de duas hipóteses.
A primeira. Agarre em si, vá a um supermercado chinês (pode ser o Chen), compre um pacote de pimenta de Sichuan, outro de malaguetas secas e um frasquinho de molho de soja.
Chegado a casa, fatie um pedaço de cachaço de porco e ponha uma frigideira a aquecer com duas colheres de sopa de óleo. Depois, deite lá para dentro umas malaguetas e uns alhos picados.
Frite nesse óleo os bifes do cachaço até dourarem dos dois lados, aromatize com um dedinho de gengibre, também picado, e uma mãozinha boa de pimentas de Sichuan. Dê um golpe de molho de soja, outro de vinagre e deixe reduzir. Acompanhe com arroz branco.
A segunda hipótese – mais fácil, mais rápida, mais segura: vá ao Sabores do Sichuan e peça uns wontons.
Os donos do Sabores do Sichuan, ali quase no vértice da Avenida de Roma com a João XXI, chamam ao seu restaurante uma loja e percebemos porquê. Até há uns meses, vivera ali um snack-bar e mexeu-se pouco no espaço.
Lá dentro, meia dúzia de bancos altos virados para um balcão de parede; as mesas estão apenas na esplanada, uns poucos lugares na calçada, sob um toldo.
Os donos são um casal vindo de Chengdu, capital da província chinesa que a UNESCO reconheceu como Cidade da Gastronomia. Chengdu é um colosso de mais de 20 milhões de pessoas, mas é reconhecida como a Paris da China, não apenas por o seu povo ser mais distendido, mas também por lá se comer muito bem.
Na génese da culinária de Sichuan, está essa pimenta que não é uma pimenta. Na verdade, a pimenta de Sichuan é uma planta da família botânica dos citrinos. Isso é notório nas notas que se soltam destas bagas, mas o que fica é o efeito de um outro componente chamado hydroxy-alpha-sanshool.
Ora, no Sabores do Sichuan há muito hydroxy-alpha-sanshool. E o hydroxy-alpha-sanshool é uma das sensações mais impressivas das possibilidades ilimitadas da cozinha mundial, como o leitor vai poder constatar à segunda colherada no caldo dos “wontons picantes de Chengdu”, mas também de outros pratos, como os notáveis noodles de batata doce com tripas de porco ou os noodles de Chongqing.
Os wontons – almofadinhas de massa recheadas de carne – estão imersos num caldo escuro, acastanhado, cheio de pequenas bolinhas. Mal ataco a primeira colherada, esta espécie de ravioli de fronha larga, escorrega para dentro da boca.
Mastigo e no final começa-se a sentir a magia da pimenta que pontilha o caldo. O seu efeito na boca ultrapassa o sabor: é físico. Parece que os lábios incham ligeiramente, a língua sente uns piquinhos e uma certa frescura.
Os chineses chamam a este efeito o “ma”, palavra que significa dormente. Mas o “ma” funciona melhor se tiver com ele o seu melhor amigo, o “la”, que significa picante – e que se consegue quando chega a malagueta. Eis a malagueta do chilli oil! Eis o “mala”, tal e qual senti nas roulottes de noodles de Chengdu.
Mas não há só “mala”. O cuidado com os noodles é outro ponto forte do Sabores do Sichuan. Todos os dias, os noodles são feitos de fresco, a partir de massa de farinha e água, estendida e cortada, artesanalmente, na micro-cozinha aberta para a sala.
Gosto particularmente dos noodles mais grossos, firmes mas elásticos, que entram também num dos pratos mais populares da casa, os noodles com carne de vaca.
São todos pratos abaixo de 10€, que podem ser alternados com pratos frios, como a salada de vaca com pepino e coentros, notável de frescura e calor.
Acresce à qualidade da comida, a simpatia dos donos, que gostam de ficar a falar sobre as confecções e a vida na sua Sichuan.
A zona da Avenida de Roma, já tinha um grande representante desta região chinesa, o também extraordinário Chuan Yue, junto ao Teatro Maria Matos. Agora, junta-se este pequeno restaurante, esta “loja” maravilhosa, mais simples, mais económica, igualmente deliciosa.
Vão lá, vão com respeito. Sintam o poder do “mala”.