1. Santa Joana
    Francisco Nogueira | No balcão, são preparadas e servidas as entradas frias
  2. Santa Joana
    HUGO NOGUEIRA
  3. Santa Joana
    Charles McCay | Tártaro de carne de vaca maturada, com nabos marinados em nata fresca e pinhões
  4. Santa Joana
    Charles McCay | Presa de porco alentejano com pasta de nozes estufadas, nabos e grelos marinados e assados
  5. Santa Joana
    Charles McCay | Arroz de marisco caldoso, com caranguejo e lavagante nacional
  6. Locke de Santa Joana
    © Francisco Nogueira

Crítica

Santa Joana

3/5 estrelas
O chef Nuno Mendes, estabelecido em Londres, regressou a Lisboa para abrir o restaurante principal do hotel Locke. Alfredo Lacerda foi lá e não saiu exultante.
  • Restaurantes
  • Avenida da Liberdade/Príncipe Real
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Alfredo Lacerda
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A Time Out diz

Quando cheguei, apenas duas ou três mesas ocupadas e tempo para admirar o espaço, com calma. Design de interiores bonito, da autoria do catalão Lázaro Rosa-Violán (que participou nos JNCQUOI), com peças grandes de Carolina Vaz e Tatiana Ferreira da Pareidólia a ornamentar as paredes altas do antigo mosteiro da Rua de Santa Marta; entre as mesas, linhas de plantas a sério; ao fundo, um balcão comprido, onde também se pode comer. 

Estava entusiasmado. Tinha fome. Tinha sede. Tudo o que é preciso para um jantar bom.

Começou-se a jornada com Leandro a apresentar-se e a servir. Leandro deu também um mote promissor para a refeição: simpático, com escola, atencioso, sem ser aborrecido. Quando lhe pedi Água das Pedras, intuiu que não queria uma água com gás qualquer. 

“Temos Água das Pedras, em garrafa pequena, e temos do Castello, em garrafa grande. Prefere das Pedras, certo?”

Senti que estávamos em modo de atendimento fine dining, mas rapidamente as coisas iriam descarrilar. 

Tínhamos acabado de pedir duas ostras planas, Ostrea edulis, quando a recepcionista entrou na sala silenciosa para guiar à mesa um casal e um bebé aos gritos. 

A decisão de ir jantar a um restaurante sofisticado, de luzes baixas, onde se pagam 100 euros por cabeça, com um bebé a fazer birra, é dos pais; a de os sentar em cima de uma das poucas mesas então ocupadas, numa sala enorme, com vários recantos mais isolados, foi da recepcionista – e foi um erro. 

Acresce que, segundo outro dos funcionários, estava prevista só meia casa para essa noite: teria sido fácil acomodá-los de forma menos perturbadora, para toda a gente. 

As ostras planas chegaram no meio do caos sonoro, mas chegaram rápido. Estavam muito bem apresentadas, sobre gelo e algas frescas a cheirar a mar, só uns gomos de limão a acompanhar. 

Uma delas apareceu partida em dois, nada de grave. Na boca, mostrou aquilo que a distingue das ostras mais comuns: menos sucos, menos tecido gelatinoso, mas muita elegância. 

Nesta altura, acabáramos os negronis (correctíssimos, com cubo de gelo grande e casca de citrino). Já tínhamos feito os pedidos de comes todos, faltava a carta de vinhos.

Fizemos a escolha da garrafa junto de Leandro, mas ela só haveria de ser aberta no final das entradas. Entretanto, apareceu a sommelier, claramente perdida na gestão das mesas. “Posso ajudar?”. Agora já não. 

Tinha sido interessante ver como se aguentaria o Xisto Ilimitado (branco), um Douro de Luís Seabra, com o prato de tártaro de carapau e sua fritura, mas Leandro surgiria com outra ideia. 

Talvez porque o Xisto Ilimitado era uma das raras garrafas da carta abaixo dos 40 euros, já estava esgotado. Leandro saiu-se bem na sugestão de substituição. Por sua iniciativa, trouxe um branco de Lisboa, um Favonius, na mesma gama de preço (clap, clap, clap), que se mostraria fresco e agradável.

Tivemos de decidir, todavia, sem saber das castas, com Leandro a garantir que se iria informar sobre o assunto. 

O problema é que, por esta altura, a sala começou a ficar composta e o serviço começou a ficar caótico. Leandro desapareceria por longo tempo, sendo substituído por assistentes de sala acartadores de pratos e aprendizes, e nós ficámos sem saber das castas (Arinto e Fernão Pires, soube depois) e de quase nada. 

Quanto ao carapau, o bicho apresentou-se em duas texturas, com o tártaro na base a ter papel secundário perante uma espécie de pastel, de polme grosso, que assentava sobre ele. No interior desse pastel (frio), o carapau estava em pedaços belíssimos, suculentos e saborosos. 

Pena o escabeche, aqui representado pelo que me pareceu ser bolbo de funcho em vinagre, ter-se revelado salgadíssimo; e pena não termos dado conta da macadâmia anunciada, invisível ao olho e insensível ao palato. 

Seguimos para a tiborna de cebola assada com queijo São Jorge de 24 meses de cura, gratinado e em lâminas, uma maravilha, grande prato. E depois avançámos para os mexilhões de Sagres com batata nova, cortada em rodelas grossas, tudo regado por um molho lácteo, liquefeito, de notas fumadas agradáveis.

Prato lindíssimo, pontilhado por endro fresco e folhas de capuchinhas, mais os bivalves de tamanho irregular (uns de bom tamanho, outros pequenos e magros), sem contudo que um dos seus ingredientes principais brilhasse: a batata nova portuguesa só vai ter os seus dias áureos lá para Abril, Maio. 

O vinho chegou com os pratos principais. Mas voltaram a haver falhas com as comidas. Apesar de eu e a minha companhia termos pedido para partilhar tudo, com o peixe a vir primeiro e só depois a carne, os pratos chegaram na mesma altura à mesa. 

De resto, o pregado pareceu (a mim e a Leandro) ser de aquacultura, o que é normal e não ofende, mesmo se o prato custa 30€. O problema foi ter surgido sem alma, apenas levemente marcado, no ponto, mas insípido. A acompanhar, uma óptima esmagada e uma espécie de dashi de algas, a dar umami ao conjunto. 

Quanto à presa de porco estava apresentada na carta como sendo acompanhada de “molho de nozes estufadas e nabo em confit”. A assistente de sala referiu-se ao molho como um “moulê”.

Perdão? Se a ideia era ser um mole mexicano, e acho que era, foi absolutamente falhada, na dicção e na confecção: sem equilíbrio, demasiado amargo, com o picante a gritar, desenquadrado.

Já a presa é sempre um corte delicioso, mas não achei que atingisse aqui o nível topo de gama que se consegue, por exemplo, com os melhores porcos de raça alentejana. 

Ambos os principais foram ainda prejudicados por os pratos individuais não virem aquecidos, uma falha num restaurante com este nível de preço, que resultaria em comida quase fria. 

A terminar, optou-se pela primeira sobremesa da carta, os papos de anjo. Na base, um pão de ló sem grande interesse, por cima, um sabayon irrepreensível de laranja e erva doce.

Em síntese. O Santa Joana foi uma das grandes estreias na restauração de Lisboa, em 2024. Tinha grandes expectativas sobre ele, por tudo o que se escreveu a seu respeito, e porque Nuno Mendes, o director culinário e autor da carta, é alguém que admiro pela postura e humildade.

Nuno Mendes é um chef reconhecido internacionalmente, mas isso não o fez arrogante. Mais do que isso: os colegas cozinheiros têm apreço por ele, e diz-se que, nos restaurantes de que é responsável, por regra, as pessoas recebem salários acima da média e têm condições acima da média. Isso é de valor.

Dito isto, Nuno Mendes está baseado em Londres. Tem outros restaurantes em que faz consultorias e este Santa Joana é um barco grande (mais de 100 lugares), porventura grande demais para ele acompanhar à distância e para a equipa liderada pelo chef executivo, Maurício Varela (que veio do óptimo Dahlia), conseguir dar conta do recado.

A culpa disso, no entanto, não é do cliente. E, como cliente, senti-me defraudado face às expectativas e face ao que paguei.

Por regra, todos merecem uma segunda oportunidade, restaurantes incluídos. Mas quando se cobram 100 euros por cabeça, depois de uma refeição com vários percalços, fica mais difícil insistir. 

Detalhes

Endereço
Rua de Santa Marta 61
Lisboa
1059-00
Preço
80-120€
Horário
Ter-Sáb 18.00-23.00
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