1. Restaurante, Fusão, Sauvage
    ©Inês FélixSauvage
  2. Restaurante, Fusão, Sauvage
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Sauvage

  • Restaurantes | Fusão
  • preço 2 de 4
  • São Sebastião
Alfredo Lacerda
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A Time Out diz

O meu amigo Manel é um gourmet. O gourmet não é só a pessoa que se preocupa muito com o que come, que conhece muita comida. O gourmet é caricato. É o tipo que põe flor de sal na feijoada e tem de ser de Guérande porque leu já não sabe onde que era dessa que o Robuchon usava.

O gourmet compra vinhos, massas ou presuntos como quem compra sapatilhas. Vale Meão, De Cecco, Joselito. Tudo tem de ser de marca e a marca tem de ser aprovada pela revista da especialidade ou pelo guru do Instagram.

O gourmet tem a mesma atitude em relação aos restaurantes. Já correu tudo o que é mesa estrelada do País Basco. Quando vai a um Michelin, não pede o penúltimo vinho mais barato da lista, como qualquer pessoa normal. Perante o sommelier, o gourmet faz duas ou três perguntas só para impressionar a companhia – “não tem o de 2011?”, “é um Premier cru?” –, mas acaba por aceitar a sugestão do profissional, pessoa treinada para identificar exibicionistas à distância e vender-lhes sumos de uva ao preço de motorizadas. O meu amigo Manel nunca tinha ouvido falar no Sauvage.

– Esse não é do Olivier?, questionou-me ao telefone.
– Não. O do Olivier é o Savage.
– A restauração lisboeta está muito selvagem –, contrapôs.
– Sim. Mas este é um selvagem francês, que tem mais pinta: Sau-va-geee!
– Ah, compreendo-te. E quem é o chef?
– Acho que não é um restaurante de chef. É um restaurante de gerente, no caso gerentes.
– Como assim, não tem chef? – indignou-se o Manel.
– Tem chef, chama-se Ricardo Gonçalves. O que eu quero dizer é que é um restaurante que não se curva à inspiração sazonal de um artista dos fogões.
– Portanto, estás-me a convidar para ir almoçar contigo a um restaurante que não é sazonal? Vamos comer tomates em Julho, é isso?
– Não creio, mas é possível.
– Daqui a bocado vais-me dizer que usam óleo de trufa em vez de trufa. – Pelo menos em três pratos. – E um deles é puré de batata com óleo de trufa?
– Sim.
– Espera, espera. Se eu acertar na próxima vais ter de repetir comigo: “O Manel sabe mais disto do que o Alfredo Lacerda”.
– Ok.
– Tem risoto de camarão e lima?

O Manel apanhou bem o perfil do sítio. Olhando para o menu do Sauvage na internet, encontrei lá todos os lugares comuns da restauração trendy de massas. Não havia um conceito, não interessava de que parte do mundo era o prato, interessava que agradasse a muita gente. Entrecôte, burrata, carpaccio de novilho, pica-pau de atum, mini-burger de foie gras, tártaro de peixe, cheesecake. E, sim, risoto de camarão e lima. Eis os bestsellers da cidade numa única carta. O horror do gourmet vanguardista.

No dia seguinte, encontrei o Manel à entrada. O Manel estava entretido a estudar o ambiente do bar. Sendo um executivo de gravata cheio de testosterona, gosta de restaurantes de gente aprumada e artilhada – um bom tailleur e um jumpsuit são até capazes de o distrair momentaneamente da gastronomia.

O empregado com auricular encaminhou-nos para a sala interior. Lá dentro, sofás corridos de um lado, candeeiros lágrima, papel de parede tropical.

O serviço tratou rapidamente de nos pôr a comer e beber. O Manel estava esfomeado. Na hora de pedir, não resistiu aos lugares comuns. Só queria proteína e hidratos.

Vieram primeiro os ovos Sauvage. No centro um ovo panado, em redor batatas pala-pala e destroços de farinheira, tudo bem desenhado.
– Isto é uma javardice. Um bitoque armado em entrada estilosa – atirou, pertinente, o Manel, enquanto espetava o garfo no primeiro bocado de ovo.
– Estás a exagerar.
– Uou, boa gema.

A gema escorreu pelas batatas assim que o Manel lhe pôs a faca. Seguiu-se um longo silêncio. “Até que é bom. Boa batata, o molho também é guloso”, atirou o gourmet. “Óptimo”, contrapus. “A farinheira nem precisava de cá estar.”

Nisto, chegaram o camarão frito e o hambúrguer de foie gras. O camarão estava sequinho e correcto, no seu polme grosso de farinha panko, bom para ensopar no sweet chilly. Mas o que tirou o Manel do seu pedestal snob foi o hambúrguer de foie gras. “Dos melhores que provei. Grande pão brioche. E esta cebola caramelizada está notável.”

Estava notável o hambúrguer e ainda mais os raviólis de novilho que se seguiram, almofadinhas de massa fresca a nadar num molho branco equilibradíssimo de gordura (manteiguinha boa) e acidez.

Nos doces, cheesecake – tinha de ser – desconstruído, com a massa transformada em crumble.

No final, o gourmet sintetizou a experiência, apanhando bem a coisa.
– Vou-te confessar. Surpreendeu-me. Estava tudo bom. Não é o último grito da alta gastronomia, tem clichés de pseudo-sofisticação, os copos não são do melhor cristal, mas é bem feito, bem servido e por um preço justíssimo.

Não é pouco, sobretudo nos dias de hoje. Digo eu, Manel.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Detalhes

Endereço
Avenida António Serpa, 9
(Campo Pequeno)
Lisboa
1050-053
Preço
20-30€
Horário
Seg-Dom 12.30-15.30/19.00-22.30
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