É reciso lembrar que a cozinha dinamarquesa protagoniza um dos grandes paradoxos gastronómicos do nosso tempo. Tem o restaurante de alta cozinha mais importante do mundo – o Noma, com residência em Copenhaga –, mas a popularidade do receituário tradicional está ao nível da do Níger.
Uma das razões para isto acontecer tem a ver com a falta de produto. Comparando com os nossos peixes, vegetais ou carnes a Dinamarca é um país pobre. E nada é condimentado com muitas especiarias ou muito tempero.
A salvação está nos molhos e nas curas. Confirmou-o a própria Ana Bassie, proprietária e chef do Skøra. Numa das incursões que fez à sala, adiantou que quer manter-se fiel a esse princípio, compensando a insipidez da matéria-prima com caldos de muitas horas. “Fazemos todos os dias o gravy, um caldo à base da cozedura de carne e vegetais”, disse.
Este molho está presente em muitos dos clássicos dinamarqueses. Nas duas refeições que lá fiz, provei as almôndegas (frikadeller, mistura de vaca e porco), as salsichas (medista) e a barriga de porco de pele crocante (flaeskesteg). Todos eles partilham o gravy, o tal molho escuro, muito saboroso – mas também batatas novas cozidas e couve roxa em vinagre e açúcar.
O flaeskesteg, em particular, estava excelente. Ana contou que na Dinamarca fazem competições com a pele da barriga do porco. Ganha quem tiver o flaeskesteg mais estaladiço, sendo que a prova faz-se batendo com a carne na mesa. Poupei-a dessa violência, bastando-me trincar a primeira entremeada.
Antes disso, já tinha provado outros clássicos da casa. O prato de peixes curados – gravlax – estava muito bom, com salmão e halibut, um peixe parecido com o linguado. E o mesmo se pode dizer das típicas sandes abertas dinamarquesas: fatias de pão de centeio e espelta caseiro, barrado com manteiga, lâminas de gravlax em cima, alface, maionese e um montinho de ovo mexido com topping de ovas de cavala.
Noutro dia, optei pela sopa de acelgas, muito simples mas com o picante da couve.
Onde o Skøra esquece as origens é nas sobremesas. Mas ninguém lamenta. O cheesecake New York é uma tarte espumosa, longe do padrão. “Vai ao forno em vez de ser cozido com gelatina, como habitual”, justifica Ana. Noutro dia, experimentei a pavlova de frutos do bosque, também irrepreensível e muito fresca.
O Skøra é um bom restaurante e é um restaurante diferente de tudo o que conheço em Lisboa (e não me venham com a cantina do Ikea). Só por isso merece aplauso. Em duas refeições comi lá vários pratos muito bons ou bons, – e, sobretudo, comi outra coisa. Outra coisa autêntica, saudável, simples e a preço de tasca. Acresce que tem à frente uma mulher que ama o que faz e que não usa atalhos.
Tenho algumas dúvidas que isto seja suficiente para manter um restaurante dinamarquês aberto durante muito tempo. Há mais coisas que pesam na balança, e uma delas é o serviço, desconhecedor, desatento e com uma linguagem inapropriada, sobretudo ao jantar. Nada que me impeça de lá querer voltar.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.