Quando vi aquelas bordas infladas, com o picotado preto, percebi logo que estava perante uma rodela de pão assado como deve ser, ao estilo napolitano.
As pizzas napolitanas tiveram um ligeiro revés, há meia-dúzia de anos. Com a loucura do sourdough, entre as pizzarias gastronómicas surgiu a ideia de que as únicas que valiam tinham de ser feitas só com massa-mãe e fermentações que durassem um fim-de-semana prolongado.
Mas a pizza napolitana continua a ter um charme único, nesse equilíbrio entre leveza e elasticidade – e este Sofi' é uma prova notável disso.
O restaurante é mínimo, mas muito bonito e divertido, com paredes e balcão forrado a lioz, miragem do que terá sido uma antiga tasca do Cais do Sodré, só pequenos apontamentos pós-modernos, como o tecto pintado de fresco com sereias e outras figuras marinhas, e prateleiras com garrafas vazias.
Muita coisa boa já se bebeu ali, e continua a beber, na verdade, porque os vinhos, não sendo imensos, são seleccionados, quase tudo produtores pequenos, com perfil do momento, ou seja, discípulos da intervenção mínima.
Os preços do vinho são civilizados, paguei 6€ por um copo de Domínio do Açor, branco, casta Encruzado que emparelhou bem com ambas as pizzas provadas.
Fui pelas recomendações da casa. A pizza Verdi anuncia-se com pesto de pistáchio, lâminas de curgete, beringela assada, tomate coração de boi, Grana Padano e manjericão.
Estava boa, com os sabores e texturas e ingredientes equilibrados – mas teve falhas: faltou o manjericão, o Grana Padano não foi reconhecível e o verdadeiro tomate coração de boi (não a imitação de supermercado), em finais de Outubro, já não existe.
Nada que a pizza de Pata Negra e Burrata não suplantasse com brilho, muito por causa da excelência dos ingredientes. O presunto apresenta-se como um pata negra curado de porco preto 100 por cento alimentado a bolota. E a burrata é produzida pela Ortodoxo, de Azeitão, uma delícia, com notas doces e cremosas a encherem-nos a boca.
De resto, percebe-se porque é que a Sofi', aberta há apenas meia dúzia de meses, já tem o certificado da Associazione Verace Pizza Napoletana. A estrutura da pizza é perfeita.
Uma das coisas mais difíceis, sobretudo quando falamos de pizzas de estilo napolinano, é manter a massa ao centro muito fina, mas sem que rasgue. Para isso acontecer, é preciso que o glúten esteja bem ligado e outros detalhes (que vão desde a temperatura aos toppings) que fazem com que um prato aparentemente tão simples, para atingir a excelência, precise de conhecimento e experiência.
E isso existe. À frente das operações da pizzaria está Gil Guimarães, que esteve em pizzarias premiadas do Brasil. Os sócios, por sua vez, são uma dupla experimentada na hotelaria: Pedro Ivo Carvalho e António Setembrino, que estão por trás do bar Jobim, no Príncipe Real.
Na Sofi', pode ser interessante ficar no balcão sobre a janela para a Rua dos Remolares – mas só se gostar de filmes policiais. A rua é uma das mais frequentadas pelos dealers do Cais do Sodré.
Num jantar recente, pude assistir na bancada central às suas manobras e ver como a polícia se limita a fazer papel de corpo presente, sem de facto acabar com o fenómeno, um martírio para os comerciantes em redor da rua cor-de-rosa e uma vergonha para a cidade do turismo, na verdade.
A dada altura, um carro da PSP parou perto. A rapaziada do “chamon” e da “coca” desertou então, entrando numa viatura e pondo-se ao fresco. Minutos depois, o carro da PSP arrancou e logo os traficantes regressaram como hienas depois da partida do leão.
Felizmente, não me caçaram o pizza, nem mesmo o canolli com que encerrei as hostilidades – por sinal, também bem bom.
Em síntese. A Sofi' Pizza e Vinho já é uma excelente pizza e não tem as filas da Lupita, ali ao lado.