Há duas formas de falar de Campo de Ourique. Uma, por quem lá vive e acha que é “óptimo”, “tem tudo à mão”, é perfeito para andar a pé “porque é todo plano” não fosse o caos “para estacionar o carro ao fim do dia”, seria o bairro-modelo para qualquer cidade do país. Outra, por quem lá vai ocasionalmente e dá voltas intermináveis até encontrar um buraco para arrumar o carro, sempre com turbas de mães com carrinhos de bebés a atravessar a estrada, e sai de lá já a formular a frase que mais se convencionou associar à zona, “Campo de Ourique é só pastelarias e lojas de crianças.”
Numa e noutra visão falta um detalhe importante que nunca ouvi ser referido em discussões pró e contra o bairro: há boa comida tradicional em Campo de Ourique. Falo d’O Magano, do Coelho da Rocha, do Verde Gaio e desta minha descoberta mais recente, o Solar dos Duques. Não que a gastronomia contemporânea não pegue na zona, mas quando se pensa nos pesos pesados, tirando duas ou três excepções, são estes que vêm à conversa.
Dizia eu que o Solar dos Duques é uma descoberta recente. Já leva vários anos de existência, já leva uma remodelação decorativa em cima (não cheguei a conhecer o espaço antigo, mas o Google fez questão de mo apresentar), já tem uma máquina de serviço oleada e simpática, mas eu só o descobri agora. E em boa hora. Por mais mudanças que uma cidade sofra, por mais que o turismo seja uma porta escancarada para diversificar a oferta na restauração, manter a génese do que nos caracteriza, que é a boa comida tradicional, demonstra sempre mais esperteza e sabedoria do que qualquer chico-espertice tourist friendly.
Coisas importantes a saber sobre o restaurante: está-se igualmente bem sentado nas duas salas, a da entrada e a dos fundos; a garrafeira tem propostas sérias e é, por isso, um bom restaurante para quem gosta de abrir bons vinhos em modo de festejo; sempre que possível o prato deve ser acompanhado por batatas, sejam elas fritas aos palitos, às rodelas, a murro ou cozidas; e as entradinhas que chegam à mesa com o couvert não devem ser ignoradas. Aliás, o papo-seco e as tostas do couvert ficam uns furos abaixo da companhia restante. Excelentes empadinhas de frango, com um recheio saboroso, muito bons os cogumelos recheados com um molho secreto da casa, que leva bacon e carne de vaca picadinha, normais os peixinhos da horta, feitos com feijão verde fresco, e muito bom o queijo fresco de Nisa. Numa visita recente provou-se também uma sopa de agrião caseira, adocicada pela abóbora, bem abastecida de agrião fresco, muito, muito boa.
Quanto aos pratos, há um pica-pau do lombo excelente. Nacos grandes, servidos na frigideira num molho à portuguesa, ao lado arroz branco soltinho e batatas fritas às rodelas, bem caseirinhas – um prato a entrar directamente para o top 3 de pica-paus lisboetas. Muito boas as iscas de vitela, cortadas fininhas, num molho apurado, com batata cozida. Excelente a tranche de robalo à lagareiro. Um lombo do peixe bem fresco, com passagem pelas brasas, a trazer a dose ideal de azeite, grelos e batata a murro. De tudo o que provei, o único prato que não veio no ponto foi a perdiz estufada à conde da Guarda. Não pelo molho, não pelas batatas palha caseiras – fora de série –, mas pela carne, ligeiramente seca.
Simpático o leite creme, queimado como deve ser, mas com uma consistência algo espumosa, óptima a tarte de amêndoa, tostadinha, com uma base mais molhada e alguma laranja. Único senão do restaurante: o preço. Ok, não é bem um senão, porque come-se que se farta, as doses são todas grandes, a comida é muito boa. Mas fazendo uma média, os pratos rondam os 14€/15€ (perdiz a 19€, pica-pau a 16€, robalo a 14€) e isso ainda é caro para a realidade não-turística da cidade.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.