Crítica

Solar dos Nunes

4/5 estrelas
Elevada pelos “confrades” a melhor restaurante da Europa, não vos decepcionará se não forem com tão elevadas expectativas, garante Luís Monteiro.
  • Restaurantes | Português
  • preço 2 de 4
  • Alcântara
  • Recomendado
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A Time Out diz

Quando pedem a um crítico que avalie um restaurante tradicional com o pretexto de que foi eleito restaurante europeu do ano pelo Conselho Europeu de Confrarias Enogastronómicas é fácil as coisas correrem mal. A multiplicação de títulos e premiações absolutas desse tipo, e sem que se conheçam os critérios de comparação, irritam-me. Ia de pé atrás e munido do cinismo de que se alimenta (literalmente) o sucesso de um crítico. 

O Solar dos Nunes venceu esse cinismo. Continuo a não acreditar nesse tipo de prémios, mas compreendo como o Solar dos Nunes fez seus os confrades do júri das Confrarias Europeias. Faz sentido que a aristocracia popular gastronómica que são as confrarias premeiem um Solar que tão bem representa a comida das confrarias.

Há restaurantes cujo segredo é fazerem de nós o centro da refeição. Não o espaço, a comida, a atmosfera ou outra coisa qualquer. Não vamos lá para conhecer o chef ou descobrir os pratos inovadores. Também não vamos para ver e ser vistos. Vamos para nos sentirmos o centro de tudo aquilo. O Solar dos Nunes consegue isso.

Marc Pierre White tem uma frase famosa em que diz que mais facilmente regressamos a um restaurante com excelente serviço e uma comida menos conseguida do que a um restaurante onde comemos bem, mas fomos maltratados. O que o conhecido chef quer dizer com isto é que a experiência de comer é, em primeiro lugar, uma experiência social. Saímos de lá a gostar mais ou menos de quem nos recebeu, de quem para nós cozinhou e também de quem connosco partilhou a refeição. O que vem no prato pode contribuir para uma melhor experiência social ou até tornar-se o foco dessa experiência (quando a própria comida é o pretexto ou se torna o objecto das conversas ao jantar, por exemplo). Mas comer é sempre, e acima de tudo, um acto social. O principal segredo do sucesso de um restaurante é conseguir seduzir-nos, sendo que o segundo é ajudar a seduzir os outros que lá levamos... É isto que torna o serviço tão relevante. E é por isso que muitos restaurantes sobrevivem com má comida, mas não conheço nenhum que sobreviva com mau serviço. 

Durante muito tempo em Portugal, a estrela dos restaurantes era o serviço. O chef de sala (frequentemente o próprio proprietário) era quem conhecíamos, não o chef de cozinha. A comida tinha de ser boa, até para acompanhar as expectativas que o serviço criava, mas não era o centro da atenção. O centro éramos nós. O Solar dos Nunes é um restaurante desses tempos. É bom saber que ainda é e desta forma tão perfeita. 

A sensação que temos é a de que fomos a um jantar de família. Somos tratados como tal e comemos como tal. Começa com a familiaridade com que somos recebidos, mas sem a irritante falsa e intrusiva intimidade que por vezes encontramos. Continua quando nos sentamos à mesa. Tal como quando entramos numa casa de família, o Solar dos Nunes tem sobre a mesa, à nossa espera, queijo (decente), presunto (bom – ou não fosse Joselito – mas irregular, provavelmente por algum ter sido cortado bastante tempo antes, ficando algo seco), rissóis e croquetes (agradáveis sem entusiasmar). Ótimos os pimentos, o polvo e os carapaus de escabeche. Um bom pão alentejano e uma broa de enchidos acompanha tudo isto. No geral, um bom início. Pena incorrerem no vício de tantos restaurantes portugueses de não informarem previamente de que tudo isto se paga e quanto. Sei que é uma prática comum. Não fui surpreendido por ela, mas outros podem sê-lo. Basta ver alguns dos comentários nas redes sociais para ver que esta é a crítica mais comum ao restaurante. Há tradições que não devem ser mantidas: esta é uma delas. E muitas destas entradas seriam melhores se preparadas ao momento (do presunto à diferença que fazem uns rissóis e croquetes acabados de fritar).

Ultrapassada esta irritação “familiar”, o Solar dos Nunes fez de mim um familiar feliz. O serviço é atento, próximo mas sem fingimento, e elaborado e simples ao mesmo tempo. Nada parece impossível para eles. E, claro, inclui tudo aquilo que devia ser obrigatório, mas passou a ser pouco comum: como tirar as espinhas ao peixe (incluindo o que vem na travessa da sopa). Pedimos para dividir vários pratos: não apenas os dividiram por nós (exceto se fosse prato de travessa ou tacho) como as meias doses me pareceram convertidas em doses inteiras. 

Lista enorme (excessiva mesmo: poderia dedicar todas as críticas do ano ao Solar dos Nunes e não conseguiria chegar ao fim da lista!). Imperdíveis, a evocar a grande cozinha de conforto familiar de Solar (esse conceito que não existe mas podemos criar): a sopa de peixe (com coentros e hortelã) e o caldo de robalo com poejos à moda de Serpa. Muito boas também as vieiras gratinadas (um prato que em muitos sítios diríamos ser datado, mas aqui dá antes vontade de fazer parar a História). Também de bom nível (mas sem o mesmo entusiasmo) um folhado de lavagante. Ligeira desilusão para a caça. Num dia experimentou-se a lebre guisada e no outro a cataplana de perdiz. Peças difíceis de trabalhar que estavam saborosas, mas algo secas. Ótimas umas batatas fritas que se pediram para acompanhar a perdiz. Boa, mas não excelente, a carta de vinhos (e a faltarem os anos de colheita mesmo nos vinhos indicados como de garrafeira).

O crítico cínico que ia preparado para a amargura tem de encerrar em doçura... De grande nível os doces alentejanos. O mesmo com um leite creme queimado no momento (e com algum espectáculo) à mesa. Saí feliz e a sentir-me familiar aristocrata do Solar dos Nunes.

Detalhes

Endereço
Rua dos Lusíadas, 68/72
Lisboa
1300
Preço
Até 30€
Horário
Seg-Sáb 12.00-16.00/19.00-02.00
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