São dois mundos diferentes. O ramen requer caldos quase sempre trabalhosos, panelas borbulhantes, carcaças de frangos e ossos porcinos, noodles e chamas intensas. O sushi implica conhecimento no corte, peixe cru, limpeza extrema, empratamentos delicados.
Talvez por isto é raro encontrarmos as duas coisas juntas, ainda que ambas sejam japonesas e deliciosas. No caso das casas de ramen, o modelo mais popular faz uso de gyozas (quase sempre das comerciais, congeladas) e karage (frango frito), de entrada, e depois serve os ramen clássicos, do shio ao shoyu, passando pelo tonkotsu.
No caso das casas de sushi, por outro lado, o foco costuma estar na manipulação do peixe, que exige outro cuidado e foco. Os melhores japoneses de sushi, mesmo aqueles que querem ir a todas, na melhor das hipóteses servem um ramen ao estilo shoyu (caldo com ênfase na soja), sem grande alma, uma coisa esquecida no fim do menu e no fim do frigorífico.
Honra seja feita aos Chirashi (Alvalado e Telheiras), a marca de Miguel Bértolo que, não sendo um japonês gourmet, digamos, faz as duas coisas bem: dá garantias de cuidado com os ingredientes e boa relação preço-qualidade nos peixes crus e, ao mesmo tempo, serve um ramen shoyu simples mas delicioso.
No SUGOI!, todavia, sobe-se de escalão, quer num campo, quer no outro (e também de preço, naturalmente).
O restaurante fica no 8 Marvila, também conhecido como “aquela espécie de Lx Factory em Marvila”, onde antes viveram os armazéns Abel Pereira da Fonseca. O restaurante tem um balcão e depois umas mesas junto a paredes esventradas, naquele estilo decadente que notabilizou a Lx Factory. Aqui, porventura, a parede esventrada está demasiado próxima das mesas, mas o ambiente é ainda assim bonito.
Fiz lá três refeições, desde que abriu, e comi lá sempre bem – mesmo com um ou outro percalço, mesmo se por vezes tenha saído com a sensação de que paguei bem e comi pouco.
Essa é, aliás, a primeira coisa que deve saber. Não estamos no reino do salmão para encher a mula, nem do sashimi avantajado ou dos temakis gordos. Aqui não há rolos de arroz. Se quiser mais hidratos, sugiro que peça uma taça de arroz à parte ou então o bara chirashi, com sashimi por cima. A estrela é a proteína animal, de origem marinha e selvagem, e isso, já sabemos, paga-se caro.
De resto, começa-se sempre com a secção chamada “Raw” (crus), petiscos que funcionam como entradas cruas, na maioria dos casos interpretações de pratos tradicionais. São os casos do “lula, lima e mentaiko”, inspirado no ika mentaiko, lula laminada em tagliatelle e ovas picantes; mas também do escabeche de cavala, aqui mais agridoce. O menu sugere a partilha, mas não leve o slogan demasiado longe.
No sushi, por sua vez, percebeu-se a técnica de Éder Nascimento, com experiências em casas de São Paulo, e de Rui Rosário (proprietário, que passou pelo Praia no Parque), com peixes curados q.b. e cortes perfeitos, quer nos niguiri (peças de arroz por baixo e fatia de peixe por cima), quer no moriwase (peixe variado) – mesmo que neste último caso se apresentasse pouca diversidade e um empratamento limpo mas despido.
Por fim, os ramen estão a cargo de um ninja dos caldos. Nuno Gonçalves é um apaixonado e estudioso dos noodles caldosos japoneses. Antes de entrar no projecto, passou pelo Afuri e foi dando uns workshops do métier. Os seus ramens são sempre saborosos, muitas vezes autorais, e mudam de acordo com as experiências que Nuno vai fazendo.
Na minha última visita, sorvi o mais português dos ramens (se é que isso existe). O seu ramen de amêijoas à Bulhão Pato é notável e estou convencido que um dia vamos vê-lo espalhado pela cidade, quiçá, pelo mundo. O caldo é de frango e de bivalves (sucos das amêijoas), depois leva cachaço de porco assado, citrinos e coentros.
O desafio da casa será manter um serviço e uma clientela consistentes, algo vital para uma casa que gere stocks e uma cozinha deste género. Para já, vale a visita.