A cidade já tem alguns bons sítios de noodles asiáticos, incluindo os reis deles, os ramen japoneses. Mas muito poucos fazem a sua própria massa, antes comprando-a seca ou, mais raramente, fresca. Ora, o Sun Tan fá-los de raiz, isso é bravo e isso nota-se.
Estamos a falar de um restaurante que não chega a sentar 20 pessoas, o que é mais do que abrigava a sua primeira casa em São Bento, onde havia apenas um balcão. Desde esse tempo – e de uma visita já remota que lá fiz – as coisas evoluíram bem. A filosofia continua a ser a mesma, mas há mais sabor e há um cão.
O velho galgo vem receber-nos à porta, amistoso, no seu caminhar ligeiro e silencioso, como um ornamento com pernas. Depois das boas-vindas, deita-se no colchão encostado à parede, aí se espreguiçando enquanto a freguesia sorve das malgas. Passei todo o meu almoço a olhar para ele e reflectindo sobre os efeitos hipnóticos do bicho e sobre a decisão de abdicar de mesas – de receitas – para o instalar junto das pessoas e não fechado nas traseiras.
É também de alguma forma um cão que contrasta com o sítio. O galgo é fetiche de aristocratas e latifundiários – e o Sun Tan é uma espécie de bar de noodles, abrigo de artistas e gente sem terra. Sabemos também que muitos galgos são descartados quando se tornam inválidos para corridas de cães e eu gosto de pensar que alguém o resgatou desse triste fim.
Dito isto, a primeira razão de existir do Sun Tan é dar de comer e fá-lo muito bem, a um preço simpático.
A carta é concentrada e relativamente monotemática, o que faz sentido. Quatro noodles, um deles seco, os outros a nadar em caldos. São todos bons caldos, mas nem todos fáceis de situar no mapa-mundo dos caldos. Os meus noodles preferidos foram os com salsicha de frango (caseira, esboroada), pimenta de Sichuan e amendoim; mas os mais surpreendentes terão sido os que nadavam numa sopinha de coco, abóbora, erva-príncipe e curcuma, mais picles, um ovo semi-cozido, e couve komatsuna, espécie de espinafres chineses – um elixir ora fresco ora quente, capaz de acordar os órgãos mais adormecidos.
Andamos quase sempre entre a China e a Tailândia, fusão de aromas e de universos que volta a estar presente no cachorro da casa (a salsicha de frango do campo, agora inteira, creme de citronela, parente da erva-príncipe, e curcuma, sauerkraut e coentros) e nos noodles de avelã e cogumelos shitake, estes infelizmente mofentos e borrachosos.
Nas duas visitas que fiz ao Sun Tan, recentemente, faltou sempre uma das duas sobremesas, sobrando apenas o torrão de frutos secos, muito bom.
Em síntese. O Sun Tan é um óptimo lugar para almoçarmos muitas vezes, seja em registo apressado, seja em convívio a quatro (mais gente é difícil). Carta de vinhos curta, com possibilidades a copo, chá da casa bom, cerveja Cristal, Amarguinha e Campari, café Nespresso. Serviço simpático mas pouco conhecedor, sem estorvar.
Longa vida ao Sun Tan. Que não falte inspiração a Francisca Van Zeller para continuar a apurar caldinhos e mãozinhas para trabalhar a massa.
*Os críticos da Time Out visitam os restaurante de forma anónima e pagam pelas refeições.