Sempre achei ingrato herdar um restaurante. E não falo necessariamente daquela taberna que era do avô, passou pelos pais, e acabou nas mãos do filho mais ligado à causa, que agora a quer modernizar. Não. Falo de herdar um espaço no pleno da sua actividade, como a Taberna Ideal, e de uma marca que tinha peso na cidade (com tanta gente a tratá-la pelo nome original, parece-me que ainda tem). Afinal, é impossível esquecermo-nos, nós lisboetas, que foi a primeira taberna de onda moderna/cool/vintage (riscar consoante aquilo com que menos se identifica) da cidade, um projecto disruptivo e talvez – pela mesma altura da Tasca da Esquina de Vítor Sobral –, das primeiras a sugerir os populares pratos para partilhar. Mesa nem sempre era fácil de arranjar, cair de amores por um prato era altamente proibido porque a probabilidade de ele desaparecer para sempre era muita e, em pouco tempo, o sítio tornou-se aquele restaurante bom para ir com amigos, bom para levar estrangeiros, bom para comer muito e pagar pouco.
Ora herdar um restaurante destes não deve ser pêra doce. A mudança, note-se, não é recente. Há uns anos saiu Susana Felicidade, a chef. Depois foi a vez de Tânia Martins e depois ainda mudou o nome: caiu o Ideal, nasceu o Esperança. Prenúncio do que desejava a nova gerência? Naaa... apenas o nome da rua. Até porque quem recebe atira logo: “Já conhece o nosso conceito?; “Conhecia o antigo espaço?”; “Está tudo quase igual.” Está tudo parecido, sim, menos os preços, já mais altos para responder à procura turística da zona, com airbnbs porta sim, porta sim, e a composição da sala, apenas com meia casa num sábado à noite.
O menu é semelhante ao antigo. [Quero apenas frisar que não fui eu quem decidiu jogar ao Descubra as Diferenças, a proposta veio mesmo de quem atende: “No final, diga-nos se achou que estava muito diferente”.] Há tibornas, outros petiscos de índole portuguesa, há saladas e pratos para dividir que mudam com frequência.
Para abrir, uns 10 minutos depois de eu a minha companhia nos termos sentado – o serviço foi de uma rapidez, simpatia e conhecimento raras vezes avistados nos dias que correm – chegaram à mesa uns ovos com alheira de caça (8,70€). Bons pedaços do enchido envolvidos com os ovos, estes no ponto, bastante cremosos. Ao lado, uma fatia de pão torrado ao de leve e com manteiga, já mais banal.
Ia eu ainda na terceira garfada de ovos e veio a salada de queijo da Ilha (9,80€). O Instagram chamar-lhe-ia bowl, eu chamo-lhe apenas uma boa salada com queijo da Ilha servida numa tigela. A folhagem de várias alfaces pareceu-me industrial, mas isso não apagou a qualidade do conjunto. Queijo picante q.b., fatias de manga madura, fatias de maçã, avelãs em pedaços e um molho vinagrete a casar bem com tudo.
Estava eu quase a acabar a salada quando veio o choco frito com arroz de berbigão (19,80€). Frito no ponto, no meio caminho entre a fritura convencional e a tempura, e sem excesso de óleo. Ao lado, um arroz de berbigão interessante, base de tomate, o bicho pequenino ainda em concha e mais pedaços de choco. Bom.
A coisa só correu mal nas sobremesas. Um pijaminha, sugestão da ementa, com mousse de chocolate com medronho e tarte de queijo de cabra com mel (6€). A mousse, e não me tomem por esquisita que gosto de um bom cálice de medronho, tinha excesso da bebida, sendo mais medronho com chocolate que o oposto; a tarte, novamente não me tomem por esquisita porque me pelo por um bom queijo, tinha excesso de queijo, apenas balançado com um fio de mel no topo e uma base de bolacha. Ou seja, em vez de sobremesas, parece que saltei directamente para a parte dos queijos e digestivos.
Veredicto final: continua a ser um sítio simpático para ir jantar e ouvir uma colectânea de autores portugueses que pode muito bem ter saído do Top +, a servir petiscos e pratos bons (menos as sobremesas), que não trazem nada de novo, é verdade, mas o que fazem, fazem bem. Chega às quatro estrelas, também porque comer muito e pagar 60€ com garrafa de vinho, já não acontece em qualquer lado.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.