No fim de Fevereiro, o chef Henrique Sá Pessoa, sustentado pelo Grupo Multifood, abriu as portas a mais um restaurante em Lisboa, com uma oferta a 100% oposta à que tem no Alma, tanto em termos de comida, como de preços. Não há degustações nem pratos dignos de emoldurar, mas sim tapas e petiscos, numa mistura entre Portugal e Espanha, com preços acessíveis. E esta é que é a grande surpresa do Tapisco.
E por acessíveis não me refiro, claro, às bagatelas pagas nas tascas ou nas petiscarias de Lisboa, mas a refeições a rondar os 30€ por pessoa, com quatro/cinco pratos para dividir, um ou dois copos de vinho por pessoa e sem espaço para mais uma migalha de pão. Aos preços a que anda Lisboa e andam os restaurantes nos bairros mais in, é bom perceber que aqui não se vai gastar o subsídio de férias de uma só vez.
Mas já antevendo um ou outro ataque ao que digo, acrescento, para que não restem dúvidas: os 30€ também não incluíram os cocktails de vermute, que são uma aposta da casa, e que certamente iriam fazer disparar a conta, nem o prato mais fotografado do restaurante, a paella negra com sépia y aioli, a valer uns 28€ e a ganhar o prémio de prato mais caro do menu (apesar de ser perfeitamente divisível por dois).
Outra grande surpresa, e relembrando aquela que foi uma pouco feliz incursão de Henrique Sá Pessoa fora da cozinha de autor – é verdade que os hambúrgueres do Cais da Pedra nunca chegaram a ganhar o lugar ao sol que almejavam – é que sem a presença do chef na casa, a equipa que lá está, tanto ao almoço como ao jantar, parece segurar a coisa muito bem. Serviço cinco estrelas, empregados simpáticos e bem preparados para responder a tudo o que se perguntou.
De ambiente também leva as cinco estrelas. O restaurante está bonito, a ideia de ter vários lugares ao balcão e outros em mesas pequenas lembra o resultado bem conseguido na Sala de Corte (do mesmo grupo), mas aqui a luz entra a rodos pelas janelas, a pedra lioz dá claridade ao espaço e a iluminação é bem escolhida. É um daqueles sítios que põe Lisboa na moda.
E a comida vale as cinco? Pois já viu que não vale as cinco completas, mas vale as 4,5 nas calmas. Ainda não se arredonda, diz a política da casa, mas é importante frisar que se trata de um quatro em metamorfose para um cinco.
Lá em cima, no Olimpo, e a deixar vontade de passar lá todas as semanas para repetir a dose, está La Bomba de Lisboa, uma adaptação dos croquetes de carne envoltos em batata, típicos de Barcelona, aqui também com alheira, e regados com molho aioli e salsa brava (o tempero das batatas bravas). Vêm para a mesa a ferver e, como descreveu a minha companhia e muito bem, “são aquilo que um empadão de carne devia ser: panado por fora”. Também com a mesma qualidade o pan com tomate y jamón ibérico de Bellota, uma cópia excelente da torrada espanhola, com um leve toque de alho, o tomate saboroso desfeito numa pasta, a aguar o pão q.b. (este também bem escolhido e tostado), e por cima fatias finas de um presunto a brilhar de (boa) gordura.
Só um degrau abaixo, ainda na categoria do excelente, estiveram os huevos rotos com paletilla ibérica. Novamente o presunto (da pata dianteira do porco) muito saboroso, as batatas fritas em palitos, os ovos no ponto, prontos a rebentar e uma juliana de pimentos e cebola (confitados?) a dar sabor ao prato. E esteve a esqueixada de bacalao, um prato fresco, ideal para dias de calor, feito com pedaços finos de bacalhau meia-cura, em cima de um molho de tomate, azeite, cebola e pickle. Uma mistura interessante na boca, o bacalhau cheio de sabor, tudo o que a empregada vaticinou–“é muito bom, vai gostar”.
Ao nível do muito bom coloco as ervilhas com chouriço de porco alentejano e ovos a baixa temperatura. Pequeninas, saborosas, o chouriço delicioso, os ovos a rebentar no ponto. E a açorda de gambas, prato bem feito, puxado a alho, bom para dividir também.
Ao nível do bom estiveram o bacalhau à Brás com gema confitada, que só precisava de ter as batatas um nadinha mais estaladiças, as croquetas de jamón ibérico, interessantes, nada de memorável, e a tortilla de patata, a precisar de sal.
Um aplauso também para a crema catalana, queimada no topo, e a mousse de chocolate negro, com esferificações de azeite (um dos poucos toques de chef da casa, a par do ovo BT e da gema confitada) e flor de sal. Caso para dizer – tentei, mas foi mais forte que eu cair no clichê – desta Espanha vem bom vento e um muito bom casamento.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.