Assim que o empregado se baixa para explicar os pratos da ardósia, reconhecemos a genealogia do restaurante. Ao chegar à mesa, dobra os joelhos para ficar ao mesmo nível dos comensais. O gesto, tão simples, muda tudo. Para além de o ouvirmos melhor, há uma informalidade juvenil que nos aproxima da casa. Mas onde é que já vimos isto?
A genuflexão será uma herança do Sal Grosso, restaurante de Alfama, de onde nasceria o Salmoura e, mais tarde, O Velho Eurico, a 100 metros daqui. Os donos e cozinheiros partilham uma forma descontraída de servir cozinha portuguesa. Desse grupo, surgiria um colectivo, já não necessariamente regionalista nem inspirado em tradições culinárias tugas, mas assente numa estética cosmopolita, hiper-tatuada e anti-fine dining. São os New Kids on The Block, referência que podemos ver como mero sarcasmo à boys band dos anos 1980/1990, como uma intenção programática ou como excesso de confiança.
Uma das caras mais visíveis do projecto é Pedro Monteiro, oriundo de Minas Gerais, no Brasil, que concilia a chefia da Fábrica da Musa com esta Tasca Baldracca. Na apresentação do projecto à imprensa foi ele quem assumiu a comunicação, ainda que não esteja presente no dia-a-dia do restaurante. À frente da sala encontra-se Bruno Gama, também brasileiro, precisamente quem nos dá as boas-vindas ao jantar.
Mal entramos, reconhecemos traços do vizinho O Velho Eurico. Não há carta, mas uma ardósia com os pratos. A música – sobretudo brasileira, mas não só – toca alto, e rapidamente uma gritaria se tenta sobrepor. Saem jarros de vinho da casa, servidos em copos de tasca, mas há garrafas mais seleccionadas, no registo baixa intervenção, a 25€.
No que respeita a comidas, o menu não tem fronteiras e repete o conceito de pratos para partilhar. Entre eles, há um tártaro franco-brasileiro (um dos melhores pratos da noite), há um xerém de pato de inspiração lusa (um dos piores, seco e monótono), há dois veganos e um veggie internacionais (ervilhas com wasabi, abóbora assada com vinagrete e beterraba com queijo de cabra). As influências brasileiras revelam-se em detalhes, como no camarão grelhado com molho de moqueca, ou no pastel de vento com polvo (pouco polvo, uma pena).
A nota transversal é a presença de fritos. De um total de 18 pratos, oito deles têm um acompanhamento frito ou o frito é o elemento principal do prato. Nesta Baldracca, tudo parece passível de ir à fritadeira, das azeitonas do couvert às línguas de bacalhau, do scotch egg (ovo cozido forrado a morcela) às moelas em tempura.
Sobremesas são duas, nenhuma delas consensual na mesa. Uma tarte de queijo e molho de goiaba com vinagre e picante. E um bolo de cenoura com molho de brigadeiro.
Depois de se provar metade da carta, e saldada a factura (37,80€ por pessoa, com uma garrafa de vinho), o trio de comensais concluiu, em sintonia, o seguinte. A Baldracca é simpática, festiva e irreverente (veja-se as casas de banho, onde imperam escritos libertinos). Mas não é uma tasca, naturalmente.
Alguns pratos são bem bons, como o peixe do dia (uma corvina bem cozinhada, com caldo das espinhas) ou o tártaro (servido com um óptimo pastel de vento). Mas, no geral, fica-se com a sensação de um bistrô indefinido, por vezes abrutalhado e oleoso. De resto, ideias supostamente avant-garde falham na técnica (veja-se o demi-glace liquefeito da bochecha de novilho), nas combinações (goiaba com vinagre e picante, na tarte de queijo) ou no produto (pouco e pouco sazonal). Quanto ao serviço, sendo alegre – vamos dizer, boémio –, nem sempre pareceu focado.
Daqui não viria mal ao mundo, se a factura fosse mais baixa. Acontece que, para se fazer a festa, o preço sobe facilmente dos 35€. E não bate a bota com a perdigota. Mesmo que seja uma bota hipster.