Se procurarem a página no Instagram, vão encontrar uma estatística curiosa. Com um ano de actividade, o restaurante tem quatro posts e 4.400 seguidores. Isto dá uma média impressionante de cerca de 1100 seguidores por post. Para se ter uma ideia, a actriz de telenovelas e influencer Rita Pereira tem uma média de 29 seguidores por post, com os seus 1,5 milhões de followers.
Isto significa que a Tasca Pete consegue muito, com pouco. E não apenas nas redes sociais.
Levei lá a jantar o meu irmão, que é um homem grande, habituado a espaços amplos. Mal puxou a cadeirinha de pau, atirou: “Mas é só isto?” Era só aquilo, um corredor em cima da porta da rua (movimentada e barulhenta), duas mesas de dois, uma mesa de quatro ao fundo e um balcão com os azulejos artisticamente quebrados, onde se sentava meia dúzia de jovens adultos entretidos com o charme decadente de um antigo snack bar reconvertido em neo-bistrô.
De resto, tudo acontecia ali, incluindo a micro-cozinha. Do outro lado do balcão, apertada contra a montra, em quatro metros quadrados, tínhamos a cozinha, como nessas tascas da Baixa onde as bifanas borbulham à janela.
Na frigideira do Pete, em vez de carne ensopada em óleo, caramelizava uma terrina de batata com mel, prato bandeira da casa, mas os meios eram humildes. “Aquilo é um fogão doméstico”, admirou-se, novamente, o mano, apontando para os quatro bicos de gás, antes de voltar a sentar-se, sem demoras, não fosse alguém roubar o lugar.
A nossa mesa tinha sido capturada com mais de duas semanas de antecedência, tal não é a procura pelo Pete. Nos últimos meses, a casa tem estado sempre cheia, rodando dois turnos de 15 pessoas, o primeiro a começar às 19.00, o segundo às 21.00. Mesmo sem divulgação no Instagram, o passa-palavra espalhou-se por toda a cidade e não há gourmet com predilecção por pratos criativos e vinhos selvagens que não ambicione lá ir.
Sim, estamos em terreno natureba, ou seja, em território de vinhos ditos “naturais” ou “autênticos” ou “todos marados”, conforme seja o posicionamento do caro leitor nesta contenda, já longa, entre pseudo-convencionais e pseudo-progressistas.
Não saindo do tema, deram-se a provar dois vinhos para servir a copo, um Loureiro da região dos Vinhos Verdes de que não fixei a marca, com um pouco de verniz de unhas no nariz (nada de grave) e um palhete do Vale da Capucha, bem arrefecido, rústico e agradável.
Copos mínimos, pouco cheios, a 6,50€ cada, preço que não é de tasca nem de espírito naturalista. Estamos a falar de uma garrafa a custar 13€ na distribuição que, servida assim, renderá bem mais de 55€. O vinho natural não é para todos. Naturalmente.
Nas comidas, uma quinzena de pratos e pratinhos para escolher do cartaz escrito à mão na parede, todo em inglês e só em inglês. “Rodam todas as semanas, segundo os produtos da época”, garantiu o único falante da língua de Camões do staff. Duas excepções: o frango frito e a terrina de batata estão de pedra e sal (ahahah) desde o início.
O frango frito era de carne do peito panada, bom mas sem entusiasmar, não se percebe a presença permanente na carta. A terrina sim, mesmo que não seja uma terrina clássica, as batatas laminadas e apertadas em quadrados, ensopadas em molho de queijo de cabra, creme de beterraba e pistáchio – estavam uma delícia, perfeita de crocância e untuosidade (e manteiga). O prato começou por custar 4€, numa versão simples, agora, mais sofisticado, vale 9€ – ainda assim, menos do que o magret de pato (15€), mais cru do que rosado no interior, selado na robata, o pequeno e fofo grelhador japonês que gostava que me oferecessem no Natal.
Provou-se ainda a ostra com rábano, maçã, funcho e vodka, de belíssima cultura e calibre de estrela Michelin, pequeno e gordo (3€ cada) – a mostrar atenção ao produto. O mesmo se passou no tomate com queijo de São Jorge laminado, já com o fruto quase no pico de forma, maduro e aromático, e com o queijo de boa cura. E houve ainda um croquete de cavala, limpo e bem feito, que pareceu aproveitar sobras – o que é louvável. Quanto à sobremesa, anunciada como panacota com compota (6€), foi falhada em tudo, um creme deslaçado. Não devia ter sido servida.
Nota muito positiva para o serviço. Bom ritmo dos pratos a chegar, explicações competentes de pessoas que sabem o que estão a fazer, simpatia e descontracção q.b. A Tasca Pete podia poupar em cozinheiros e pessoal em geral, mas investe nisso, com três pessoas atrás do balcão e mais duas na sala – bastante para a lotação.
Em síntese. O restaurante, liderado por uma dupla de ingleses, arranjou um formato minimalista que funciona, é muito acolhedor e quase sempre saboroso. Tem cuidado na cozinha, no produto e no serviço, e a rotação da carta garante surpresa. Não é todavia uma tasca, já se vê. A pretensão inaugural de dar comida sofisticada ao povo, com preços de povo (português, bem entendido), desapareceu com a mesma rapidez com que os lugares foram esgotando.
É o mercado, hipsters. É o mercado hipster. E não é pouco.