Entre um cabrito e um cabrão há uma diferença de idade. Já entre um cabritinho e um cabrito há mais do que isso. Se nos falam em cabritinho, imaginamos uma carne deleitosa, não necessariamente um bicho mais jovem do que o costume. Sabemos, claro está, que se lhe dermos tempo o cabritinho passará a cabrito e, eventualmente, a cabrão, duro que nem cornos, que a idade é uma cabra e não poupa ninguém. Mas o sentido profundo daquele -inho é certificar o grau de maciez da chicha. Na língua, na boca e na cabeça de um português, os sufixos têm um valor próprio quando se fala de comida. E o diminutivo é sinónimo de coisinha fofa.
Discuto isto com a minha amiga minhota à mesa do Tascardoso, enquanto dividimos um cabritinho no forno e um arroz de pato. Concordamos que ambos os pratos estão bons, mas sobra-nos a dúvida se algum deles merece sufixo. O cabritinho, concluímos, é na verdade cabrito. Bem feitinho, saboroso, tostadinho sem estar seco, mas já a pedir o esforço de uma dentição adulta. Boa batata, arroz de miúdos um nadinho seco, uns poucos grelos a emprestar amargo ao conjunto. Tudo certo sem deslumbrar. O mesmo se dirá do arroz de pato, farto em lascas de ave e em rodelas de suíno (banal, industrial, tostadinho), mas o bago seco e sem vida – e se há coisa que uma minhota não perdoa é que não lhe dêem o arroz em condições. “Falta aquela gordurinha, sabes?” Sei. Concluímos que não falaríamos daquele arroz como arrozinho, que é a forma portuguesa de referir um arroz memorável.
Esta será a primeira de duas visitas de regresso a este enclave de comida portuguesa no Príncipe Real. A carta é farta sem variar, mais de 30 entradas, entre grelha, forno e tacho. E a casa, que sempre teve uma dualidade engraçada – dois espaços, duas portas, duas ruas – parece hoje uma porta giratória entre dois mundos. De um lado, pela Rua d’O Século, entra-se numa sala acolhedora e fresca, lugar para vinte e tantos, mesas de madeira com tampo de mármore, peças de barro e ferro fundido, xailes pendurados, tudo very typical. É aqui que almoço com a minhota, num dia de calor bastante para a DGS desaconselhar o bacalhau à Brás.
Do outro lado, para a Rua Dom Pedro V, sala para uma dúzia, a que acresce agora uma esplanada com capacidade para dar apoio ao SEF. É aqui que janto, noite amena, com uns rapazes que também já não são cabritos. Toda uma nova experiência. À noite, é um mar de camones que se renova em novas ondas a cada hora. E embora isso se ressinta no apuro da coisa, o serviço é pronto e atento, o vinho da casa é simpático, as imperiais bem tiradas, as vistas são animadas e dá para comer um arroz de cabidela em pleno Príncipe Real (bom sem chegar a ser um arrozinho, o bago a precisar de mais uns minutos).
Em suma, e em ambas as horas, tudo a cumprir mínimos, sem envergonhar a gastronomia nacional nem o VisitPortugal,, sobretudo considerando a relação preço/localização. Bom para almocinhos, simpático para jantaradas.