Às 21.00 de um domingo, em Lisboa, a Rua do Benformoso está cheia de gente no meio da estrada a conversar, num burburinho que vai do Intendente ao Martim Moniz. De um lado e do outro, lojas e estabelecimentos abertos porta sim, porta não. Há barbeiros bengalis com fila à porta, talhos halal com borregos pendurados, mercearias com micro-beringelas coloridas nas montras. Praticamente não se vêem portugueses. Por vezes, passa um grupo de turistas enganados pelo GPS, ou um ou outro tuga apressado, a caminho da dose de crack. Mas a grande mancha é de imigrantes do Nepal, Bangladesh, Índia e Paquistão. O Benformoso é a sua casa. Bem-vindos ao Indostão.
Há muitos anos que venho ao Benformoso. A rua já passou por várias fases, mas foi sempre uma espécie de recuado da Almirante Reis, um pólo de encontro de imigrantes asiáticos. Há uma década, os chineses dominavam a primeira metade da rua, do lado do Centro Comercial da Mouraria, com os seus restaurantes clandestinos e supermercados. Ainda lá permanecem alguns: o restaurante Pangzi; o 3º andar do número 59; e o Pho-Phu, o vietnamita chinês, são exemplos.
Em todo o caso, nem a presença chinesa, nem as prostitutas que aí laboram beliscam o domínio actual dos indostânicos. No que à restauração diz respeito, em particular, eles abriram muito comércio nos últimos meses e reforçaram outras casas já aí firmadas, como o Bangla, forte nos doces e no caril de cabrito, mas também o Dhaka, mais acima, dos mais concorridos e com um atendimento sempre simpático.
Dos mais recentes, o espaço mais extraordinário é o Taste Lisbon. Fica numa cave, resguardada do frenesim, e parece uma mesquita, com o seu pé alto, pilares e ventoinhas espalhando fresco e aromas a especiarias. Pode-se ir lá comer a qualquer hora. A meio da tarde é ver motoristas e estafetas entrando e saindo, à pressa, entre uma corrida e outra, um caril e outro, as malas da Glovo sempre com eles.
Nenhum restaurante, todavia, parece gerar tanto interesse e clientela como o Tasty Hut, mesmo ali ao lado, uma churrasqueira paquistanesa. Fica a meio da rua, onde antes funcionou uma loja de telemóveis. Cá de fora, temos visão directa para a grelha a carvão, ex-líbris da casa, onde se alinham espetadas de kebab e frango tikka, marinado em iogurte e curcuma. Lá dentro, não há etnografia, nem design de interiores, mas é notório o esforço por dar confiança ao cliente. Da sala, vemos a cozinha aberta e os empregados – muitos, atabalhoados no serviço, mas comunicativos – usando toucas na cabeça.
Na carta, anunciam-se pratos tradicionais da região, mas há coisas raras, como tilápia frita (o peixe) ou o delicioso guisado rajma, de feijão. Tudo o que provei estava óptimo, do caril de frango com limão e malagueta às espetadas de carvão, sobretudo as tikka – porventura o que mais sai. Os preços dos caris variam consoante a dose, que pode ser “inteira”, “metade” ou “um quarto”, indo dos 19€ aos 4€. As espetadas são individuais e custam 2€ cada.
A terminar, há arroz doce com cardamomo, mas o meu conselho é que, para a sobremesa, vá ao Dakha, ali ao lado, e peça ao balcão um misthi doi, doce de iogurte e leite condensado, servido em copinhos de plástico, para ir comendo na rua – muito em voga no Benformoso, por estes dias –, ou desça ao Bangla, para os kalakand ou barfi, bolinhos de leite em pó e açúcar, por vezes com farinha de caju, ou os populares gulab jamun, bolas à base de leite cozido, ensopadas em calda com água de rosas.
Quem gostar de pequenos almoços nutritivos, pode também escolher os combinados de paratha ou pão nan com caris ou kebabs, por apenas 2,5€.
Há muito por onde escolher, mas o importante é que vá. O Benformoso é uma viagem extraordinária. E saborosa.