Ainda não consegui compreender o nome. Talvez seja para revelar modernidade, bem expressa desde logo no espaço agradável, hip, luminoso e cosmopolita que nos acolhe. Isso leva-me a perdoar o quase “novo-riquismo” do nome, talvez para fugir ao risco de ser qualificado como mais um restaurante de comida “típica nacional”, neste caso ucraniana. Na verdade, não fosse por uma discreta sugestão na ampla janela de vidro e pela designação e técnicas de certos pratos, nada diria trata-se de um restaurante de inspiração ucraniana. E isso é bom. Não que tenha algo contra comida ucraniana (e, ainda menos, depois do que provei aqui), mas acho redutores os inúmeros restaurantes de “cozinhas nacionais” que são apenas restaurantes de comida típica e tradicional desses países. Há frequentemente demasiado folclore e pouco de genuíno (e ainda menos criatividade) nesses restaurantes. São mais museus da gastronomia desses países do que reflexo do que essas gastronomias são hoje.
Ora, o The Capsule é inspirado na cozinha ucraniana, mas não é um restaurante de cozinha “típica” ou tradicional. É bom conhecer o que essa inspiração pode trazer a uma cozinha moderna e criativa que pretende, ao mesmo tempo, ter uma relação clara com o território onde está e recordar o território de onde vem. Tudo isto bem visível na conjugação entre produtos portugueses e técnicas e receitas ucranianas. Isto é provavelmente resultado de uma marca forte do chef que se assume como tendo uma identidade expressa na sustentabilidade e no recurso frequente a técnicas de fermentação. Talvez a forma mais justa de caracterizar este restaurante seja como o restaurante de um chef ucraniano, muito mais do que um restaurante de comida ucraniana.
Mas passemos da “filosofia” ao sabor. Em duas visitas, provei inúmeros pratos. Alguns pontos em comum: uma comida para consumo rápido, mas de concepção lenta (chamem-lhe slow fast food); o uso de diferentes tipos de fermentados, molhos intensos, picante em vários pratos (mas longe dos níveis de certas cozinhas asiáticas); muito aproveitamento e produtos locais. Tudo isto traz muito sabor. Do lado mais negativo, um certo excesso e confusão em certos pratos, com vários molhos a confundirem sabores e o uso e abuso de géis, “neves” e coisas similares. Continuar a fazer muito do que faz, mas com alguma depuração (simplificação) dos pratos, pode conduzir o The Capsule a um nível superior. Ainda assim, este é um restaurante que recomendo claramente, ainda por cima com preços muito razoáveis.
No menu, gostei imenso da katsu sandes de frango (um burger de frango em pão de brioche bem tostado com maionese e ketchup de kimchi, algas e sauerkraut fermentada, cheio de sabor) e ainda mais da omolete de “morcela” (uma salsicha de sangue feita no próprio restaurante) que, na verdade, me pareceu mais com o que na Ucrânia designam de varenyky (uma espécie de pierogi, comum no leste da Europa) e que só por si me fará voltar aqui. De óptimo nível também a tosta de cavala com pickles (uma metáfora da excelente relação que une Portugal e a Ucrânia) e a terrina “zero desperdício” (um mistura de carnes com pinhão e amêndoa com maionese e mostarda). Menos interessantes, mas sempre a bom nível, um croquete de camarão (saboroso, mas algo adocicado), um húmus de beringela agradável e uma cenoura confitada (que tinha em picante o que, na minha opinião, lhe faltava em contraste de acidez e texturas). Pão e couvert muito bons num dia e bem menos no outro (em que o pão era de apenas uma variedade e parecia ter acabado de ter sido descongelado e mal...).
Sobremesas na mesma linha dos pratos principais: sabores fortes, mas de conforto. A minha preferência pessoal foi a tarte zero desperdício, pão embebido num creme inglês e leite caramelizado (uma espécie de leite condensado, mas simultaneamente mais leve e mais caramelizado), menos doce do que soa e muito saboroso. Mas, na segunda visita, os meus parceiros de almoço tiveram opinião diferente, havendo quem tenha gostado ainda mais de um pudim de pão com banana quente da Madeira e casca de taro e quem tenha preferido um mais clássico ucraniano bolo de mel (demasiado doce e seco para meu gosto).
Nos vinhos a escolha é algo limitada, mas interessante, misturando vinhos portugueses com franceses, italianos e espanhóis, sendo clara uma preferência por oferecer opções fora da caixa (o que tanto pode ser motivo de interesse e curiosidade, como resultar em desilusões). As escolhas internacionais são boas, mas bastante caras. De elogiar a oferta de mocktails que complementa com originalidade e sentido o tipo de comida oferecida.
Serviço simpático e disponível. Em suma, apesar de algumas afinações necessárias, não há mesmo desperdício, nem de comida nem do nosso tempo, neste The Capsule.
Crítica publicada originalmente na edição da Time Out de Inverno de 2025