A seguir ao beijo francês a sensação mais excitante que um adulto pode experimentar na boca chama-se ma la e resulta do ardente/dormente típico da cozinha de Sichuan, a província mais gourmet da China.
O The Old House tem vários pratos com ma la, produzido através da combinação de malaguetas e pimentas de Sichuan.
As pimentas de Sichuan são misteriosas bolinhas da família do limão. É por causa delas que vai ficar com os lábios dormentes.
Lábios dormentes é bom.
Um bom prato para experimentar isto é o mao cai. Também há quem lhe chame hotpot e é comido nas ruas de Chengdu. Aqui serve-se numa terrina elegante, lá dentro um caldo escuro de pasta de feijão, vinagre de arroz, anis, alho, gengibre e coentros. A ideia é pescar com pauzinhos os pequenos tesouros submersos. E encontra-se de tudo, de todas as texturas, de todos os feitios: choco, tofu, rebentos de soja, tripas, bife, cogumelos, algas.
Atenção que o mao cai é um beijo francês já avançado. Picante, picante.
A morada do The Old House, para que não haja dúvidas: Rua da Pimenta. Alinhamento cósmico? Obsessão chinesa com os detalhes?
No The Old House há bonitas mulheres chinesas com óculos de massa. E nem todos os homens chineses usam roupas de CR7.
Para uma experiência iniciática, aconselho a entremeada de porco cozinhada duas vezes. É o prato mais tradicional de Sichuan. Nunca soube de um indivíduo que não ficasse fã logo à primeira. Depois de cozida ao vapor a entremeada é dourada no wok. No final, junta-se pasta de feijão, alho francês, pimentos e pimentas.
Dito isto, há coisas sem picante. Os chefs de Sichuan vangloriam-se de ter um receituário de 5000 pratos e 30 combinações diferentes de sabores. São verdadeiros maluquinhos da diversidade, mestres absolutos das técnicas de corte, obcecados com as texturas.
Esta sofisticação foi reconhecida mundialmente em 2010, quando os senhores da UNESCO acordaram do seu europeísmo patológico e atribuíram a Chengdu, capital da província de Sichuan, no Sudeste da China, o primeiro título de Cidade da Gastronomia na Ásia.
Entre as referências da restauração local indicadas no relatório estava, precisamente, o grupo por detrás deste The Old House, que migrou para Portugal em Julho passado.
A assessoria de imprensa do restaurante lisboeta (sim, é um restaurante chinês com assessoria de imprensa) garante que os cozinheiros foram todos recrutados na origem, depois de rigorosas provas. E que são do melhor que há no país. Eu acredito.
É aliás possível vê-los actuar. A cozinha – aberta, ampla, toda em inox, muito limpa – tem equipamentos que o Belcanto não desdenharia.
Por falar em restaurantes com chefs mediáticos, Kiko Martins gosta muito do The Old House. E Kiko Martins já deu uma voltinha ao mundo ou outra.
Voltando ao equipamento. Há por exemplo vários tipos de fornos, panelas do tamanho de Marques Mendes (de pé), bancas só de molhos, bancas só de cortes. Há também uma câmara de secagem com patos pendurados, a pele dos bichos um caramelo incrivelmente polido, uma pessoa pode usá-los para se ver ao espelho.
De dez em dez minutos um cozinheiro vai buscar um dos patos, pousa-o numa banca e corta-o em fatias finas com um magnífico cutelo. Trabalha com uma precisão e rapidez circenses e não usa lantejoulas nem maillot.
O serviço de sala também tem pessoas dedicadas, entre portugueses e chineses. Um ou outro demasiado dedicado.
Sobre a carta, o objecto carta. Imagine que a Time Out fazia um concurso para eleger o menu mais bonito da cidade. E que até participavam os Michelin, com pratos a letra floreada. O meu voto: The Old House.
Outro prémio, a melhor sala privada de Lisboa. No segundo andar, não faltam recantos com vista sobre o Tejo, prateleiras com louça chinesa, o mobiliário em madeira, e salas que podem levar 12 ou mais pessoas em mesas redondas e giratórias, como deviam ser todas as mesas.
A primeira coisa que vem para a mesa no The Old House é um pratinho de saborosos amendoins com casca. Simples, belo.
Outra maravilha para papilas sensíveis. As asas de galinha assadas. O segredo está na pele, esticada ao limite, estaladiça.
O mesmo do pato à Pequim, a alternativa para os mais conservadores. Não é da região de Sichuan, mas é muito bom, dos melhores da cidade.
O preço pode subir até aos 30, 40 euros. Mas se for em grupo consegue experimentar várias coisas por menos de 20. E pode ter das melhores refeições da sua vida.
Beijos. Chineses.