É relativamente frequente um empregado de mesa ficar com a posse de um restaurante. Mas quando esse restaurante leva o nome do antigo chef-proprietário, e quando esse antigo chef-proprietário foi o mais notável cozinheiro japonês dos últimos 15 anos a viver em Portugal, a herança é complicada.
Tomoaka Kanazawa deixou o Tomo em 2015 e Portugal em 2017. De então para cá, foi Saif quem tomou conta do negócio. Saif era empregado de mesa, mas não tinha um nome na praça. Era Tomo quem fazia o restaurante, só ele e as suas facas e o seu ar grave de quem a qualquer momento podia sacar do sabre e degolar o primeiro cliente que pedisse dose extra de salmão.
Enquanto espaço, o Tomo era terrível: um snack-bar adaptado, um sítio impróprio para comer sashimi de lagosta ou ovas de ouriço, dois dos pratos que tive o prazer de lá provar quando o antigo cozinheiro da embaixada japonesa em Lisboa começou a servir as suas míticas degustações kaiseki. Ora, esta foi a primeira mudança que notei ao entrar no restaurante, uns bons dez anos após a minha primeira visita. Está muito mais bonito. Acabamentos em madeira, o chão completamente alterado, à entrada alvéolos para refeições mais íntimas. Melhorou muito o Tomo de Saif quanto à decoração.
A dúvida estava no prato. Como seria a comida? Do outro lado do balcão, no lugar de Tomo-todo-poderoso encontrei três cozinheiros capitaneados pelo ainda jovem Harry, com passagens pelos Meninos do Rio, Confraria Lx e Arigato Sushi House. Ora, Harry não tem as competências de Tomo, mas tem uma grande vontade de fazer bem e deixar os clientes satisfeitos. Ainda faltava o pedido e já estava a enviar sopas miso para nos aquecer, mais legumes crocantes e pedaços de lula em molho dashi. Na carta, todos os clássicos da cozinha tradicional japonesa, sem a parafernália de gunkans marados que vieram encher os menus dos japas de fusão.
Estava perfeito o nasu dengaku, a beringela frita com molho miso, uma delícia. Estava seca e variada a tempura, com os legumes frescos (pimento, feijão verde, batata doce...) e o camarão no ponto. O ika mentaiko, uma das minhas entradas favoritas, feito de juliana de lula e ovas de bacalhau, podia estar mais picante, mas mantinha aquela textura fresca e ligeiramente viscosa que eu adoro. Ou seja, tudo bem feito, servido com esmero.
Faltava o prato decisivo. Chegou então “sushi to sashimi” grande. Assim que pousou, soube que ia ser feliz, a apresentação de virar os pescoços na mesa do lado, como o público de um jogo de ténis perante um ás. Na base da travessa os niguiris; a um canto os rolinhos; e o sashimi numa caixa atrás, qual encosta de peixe, escarpa com afloramentos de pepino e pickles e lima, na base rosáceas de salmão, robalo e pregado, a meio do declive carapau com cebolinho, no topo os três grandes cortes do sashimi de atum: maguro, chu-toro e toro. Tudo fresco, sem as maturações da moda, um grande sashimi com atum delicioso que Saif garante vir todas as semanas do Sul de Espanha a peso de ouro.
Nas sobremesas, os gelados continuam bons, mas melhor ainda são os mochi da Niji, que fornece o Tomo e outras boas casas.
Em síntese. O Tomo saiu do radar dos foodies de Instagram, mas continua muito bom. Serviço extremamente presente, atento e simpático. Sai tudo bem, com bom produto, elegante (só os niguiris menos perfeitos: talvez aqui fizesse sentido maturar alguns peixes). Para quem gosta de barriga de atum, estamos no paraíso: há sempre chu-toro e o-toro. Qualidade/preço difícil de bater. Vá a meio da semana, conselho de amigo que vale para quase todos os japoneses e não só. Carta de vinhos mais interessante do que a de 90 por cento dos sushis de Lisboa. Continua a valer a pena ir a Algés.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.