1. Restaurante, Cozinha Portuguesa, Toscana Casa de Pasto
    ©Manuel MansoToscana Casa de Pasto
  2. Toscana Casa de Pasto
    Fotografia: Manuel Manso
  3. Toscana Casa de Pasto
    Fotografia: Manuel Manso
  4. Toscana Casa de Pasto - Peixe Espada Preto
    Fotografia: Manuel MansoPeixe Espada Preto da Toscana Casa de Pasto

Crítica

Toscana Casa de Pasto

4/5 estrelas
  • Restaurantes | Português
  • preço 2 de 4
  • Estrela/Lapa/Santos
  • Recomendado
José Margarido
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A Time Out diz

“O mar?! Mas o que tem o mar a ver com os meus peixes?! Ordralfabetix, in ‘Asterix, A Grande Travessia’

O peixeiro de Astérix só vende mercadoria importada de Lutécia. Apesar de estar encostada ao mar, a aldeia gaulesa recebe o peixe em carros de bois vindos da capital, umas 200 léguas para o interior. A frescura do produto é razão recorrente de peixeirada, normalmente resolvida ao tabefe, mas Ordralfabetix não se demove: “Abasteço-me nos melhores armazenistas! Não vou vender peixe saído da água, sem garantia de qualidade!”

A cena ocorre-me sempre que penso em comer peixe em Lisboa. Tal como naquela aldeia imaginada por Goscinny, há qualquer coisa nesta cidade sonhada por Ulisses que a divorcia do mar. A água é já ali, mas são raros os sítios de peixe fresco, descomplicado e a preços honestos. E isso deixa-me escamado. Se quisermos uma grelha competente, então, o caso complica-se. Para o lisboeta comum, carapau assado equivale a um chicharro de palmo e meio, carbonizado e falecido, a pedir manobras de reanimação com um molho à espanhola. Sobram, ainda assim, alguns irredutíveis. E o Bigodes é um deles.

A Toscana Casa de Pasto (nome oficial) resiste em Alcântara há muitos anos e desde sempre no Guia de Restaurantes da Time Out. Há coisa de uma década, a velha tasca deu lugar a um bistrô arrumadinho, mas desafectado, que manteve o essencial: bom produto, grelha certeira e um dialecto próprio criado pelo senhor Emídio, figura que empresta a alcunha à casa e que parece ter sido desenhada por Uderzo.

O peixe escolhe-se na montra (aqui diz- -se “confessionário”), com indicações honestas sobre o que é de mar e o que é de aquário. Depois é pedido, como tudo o resto, segundo um sistema decimal único (um são dez, dois são vinte, por aí afora), e chega invariavelmente grelhado no ponto, quase intocado pelo fogo. Os chocos, sempre frescos, aconselham-se “mastigados” (que é como quem diz em pedaços), coroados de cebola e salsa; há sempre robalos legítimos a saber a mar (entre alguns espécimes gregos, mais acessíveis e ao gosto infantil) que servem dois e aguentam bem ser escalados; a garoupa serve-se em belíssimas postas abertas; o peixe espada preto (ou “Mantorras”) serve-se em postas fechadas. Tudo isto acompanha com boa batata cozida (com pele ou sem, consoante o prato), excelentes grelos de nabo (a pedido), e acaba regado com azeite do Esporão. E de tudo isto se provou em três visitas neste Outono.

Ficou para outro dia o regresso ao bacalhau à Toscana, assado e desmanchado em lascas, servido com batatas “à Sá Pinto” (a murro, entenda-se); e às ovas, que já tinham fugido, e que aqui se comem no preceito que mais me encanta: pequenas e grelhadas. Excepção feita a salmonetes, pregados e outras espécies aristocráticas, e às cabeças de garoupa, que alimentam dois e fogem num ápice (é chegar cedo), o preço é calculado à dose e não ao peso, o que mantém a conta a navegar à vista.

Quem quiser puxar carroça saiba que o gado aqui é bem tratado e a carne merece igual cuidado no carvão. À picanha nacional que se intrometeu na ementa de um destes dias, faltava apenas meio centímetro de altura para competir com os melhores sul-americanos da cidade. Vinha escoltada por umas batatas fritas perfeitas, firmes, enxutas e de um amarelinho mimoso.

Duas menções honrosas ainda para o bom pão saloio, que divide sempre o cesto com broa de milho, e para o vinho, com óptima escolha à carta, mas que se serve também a jarro (“uma carga”, no dialeto único deste código postal), tem o selo de Ermelinda Freitas e diz muito bem da casa. E um aplauso para Victor Franco, que resiste ainda e sempre ao invasor. Há uma década tomou conta da Toscana e a aprumou, e ainda não comprometeu os seus dois grandes trunfos: uma grelha de bom peixe, que devia inspirar a cidade; e o Bigodes, que merecia inspirar um personagem de Astérix.

*Os críticos da Time Out visitam os restaurantes de forma anónima e pagam pelas refeições.

Detalhes

Endereço
Rua do Sacramento a Alcântara, 72/76
Lisboa
1350-280
Preço
Até 20€
Horário
Ter-Sáb 12.00-15.00/19.00-22.00
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