De entre as cozinhas do Médio Oriente, a libanesa sempre foi a mais considerada no Ocidente. Haverá boas razões para isso, entre elas estarmos perante um povo que sempre gostou da Europa (sobretudo de França) e de quem a Europa sempre gostou (sobretudo França).
A verdade, todavia, é que a comida tradicional libanesa é muito parecida com tudo o que se cozinha entre a Síria e Israel. A diferença estará numa dose maior de criatividade que soprará por Beirute e que Beirute gosta de fazer soprar pelo mundo.
É isso que acontece com este Touta, no caso um exemplo sofisticado de cozinha mediterrânica de alma árabe e técnica internacional.
Basta, aliás, olharmos para o equipamento da cozinha aberta e vermos o kamado, o grelhador japonês de cerâmica, ou a máquina de sous vide, para percebermos que o hummus há-de vir engalanado e a beringela grelhada terá outro fumo e outra companhia.
E se dúvidas persistissem de que o libanês que abriu há meses entre a Estrela e Campo de Ourique é outra loiça (bonita, por sinal), a leitura do currículo da chef trataria de esclarecer tudo.
Cynthia Bitar foi estudar para o Instituto Paul Bocuse, em Lyon, e sempre aliou as referências francesas com a herança familiar transmitida pela sua mãe, uma chef de referência no Líbano.
Posto isto, as expectativas estavam muito altas antes da visita e mais altas ficaram depois de ver o menu, só coisas de encantar, do guisado de favas com pétalas de cebola e tâmaras, à beringela grelhada com pesto “makdouss”, passando pelo ovo com emulsão de sumagre (especiaria também conhecida como sumac).
O espaço revelou-se igualmente sofisticado. Nada do folclore etnográfico habitual, uma primeira sala pequena, bonita, com dedo de profissional da decoração, e lá atrás outra sala com passagem para a loja. Só a visitei no fim do jantar e pareceu tudo com muita pinta, das conservas aos picles.
Menos inebriante o serviço, solitário e com dificuldades na comunicação, ainda que se deva valorizar o esforço por falar português.
Do que se comeu, houve oscilações, momentos bons e menos bons. Exemplo de um ponto alto, foi a beringela com pesto makdouss. O makdouss é uma forma de cozinhar a beringela curada em azeite ou óleo e, tradicionalmente, recheada com nozes, azeite e alho. Aqui, ela veio escondida por uma floresta de rúcula, rabanetes laminados e tomate, tudo muito fresco e saboroso – belíssimo prato.
Houve, contudo, outros momentos menos felizes, como no prato de espargos brancos grelhados e lingueirão, em que o bivalve apareceu mortiço; ou no kebab de borrego com molho de ginja e iogurte, uma versão estilizada de um prato original de Alepo, na Síria, que aqui surgiu esfriado e com a carne das almôndegas crua por dentro.
Nas sobremesas, acabou-se em beleza com a tarte de chocolate, café e cardamomo, síntese perfeita das influências libano-francófonas da chef.
No final, num jantar para duas pessoas onde não se saiu a rebolar, pagaram-se quase 100 euros – sem garrafas de vinho.
Em síntese. O Touta pode vir a ser um sítio de referência na cidade, mas para isso será importante que a presença da chef se faça sentir na sala e na cozinha, coisa que não aconteceu – e que erros, como o do kebab cru por dentro, não se repitam.
Tudo isto seria menos grave, claro, se o preço deixasse margem para outra tolerância, mas a factura deste Touta é de fine dining.