Nem tudo o que parece é, portanto dê uma segunda oportunidade a este Treestory quando passar por ele e achar que é só mais um café com uma boa oferta de bolos. Na verdade, este é o primeiro restaurante georgiano da cidade: tem uma decoração simples e um jardim grande na parte de trás, onde pode provar os pratos mais típicos do país, que utilizam ingredientes bem portugueses mas cozinhados de uma maneira completamente diferente.
Crítica
A cozinha da Geórgia pode parecer piada ou exotismo. Mas quem dera a Portugal. Enquanto a culinária portuguesa, para a maioria dos estrangeiros, continua a ser uma derivação menor da espanhola, a Geórgia reina no Cáucaso e brilha no mundo. A sua cozinha tem sido elogiada como uma das mais originais, diversificadas e refinadas – e isto, note-se, sem que precise do ámen da Michelin ou da World’s 50 Best Restaurants.
Na Geórgia não luz uma estrelinha que seja, nem há dinheiro para pagar a influencers internacionais para lá irem benzer chefs. O que tem proliferado, nos últimos anos, são elogios à sua cozinha tradicional, escritos por jornalistas conhecedores, bem como livros de excepção (Kaukasis, de Olia Hercules, que figurou nos melhores do ano do The New York Times) e restaurantes-embaixadores, de que este Treestory é exemplo.
Portanto, a cozinha da Geórgia é uma coisa séria, fora e dentro de portas – não há aqui piada alguma. O que há é história, técnica (fumados, curas, fermentados, pickles, molhos, assados) e uma gastronomia que cruza Oriente e Ocidente, Norte e Sul. Lembrar que pela Geórgia passou a Rota da Seda e por lá andaram árabes e persas e que o país foi uma ex-colónia soviética. Daqui resultou uma mistura única, onde entram produtos do Novo Mundo (feijões, tomates, pimentos), mas também do Médio e do Extremo Oriente (romã, ameixa, nozes, muitas nozes).
Este Treestory apareceu discreto, sem agências de comunicação nem redes sociais. Para além do mais, fica na Luciano Cordeiro, onde a cozinha sempre esteve aquém de outras artes e ofícios. Não ajuda, também, que a sala pareça apenas uma pastelaria lustrosa, vitrinas com baclavas (turca ou da República Checa, esta menos doce) ou os impressionantes napoleões (mil-folhas turbinados). Quando o tempo está bom pode-se escolher o pátio nas traseiras, mas falta igualmente ambiente e falta Geórgia: atiraram para lá umas mesas, umas cadeiras e uns chapéus de sol e o espaço lembra uma exposição de mobiliário de lounge de aparthotel com vista para escadas de incêndio.
Dito isto, o mais importante está lá. O Treestory é um georgiano autêntico. Fiz lá três refeições e saí sempre contente. Uma das grandes atracções é o khachapuri, um pão achatado que pode ser em forma de pizza ou de barco. Podemos ver a cozinheira a estender a massa, que fica a levedar antes de ir ao forno. Não se trata nem de uma derivação das rodelas assadas italianas, nem de um sucedâneo dos nan indianos, mas algo no meio. O khachapuri mais célebre e mais guloso é o tal em forma de barco, com um buraco ao centro onde se barra manteiga, queijo (frequentemente sulguni, o queijo mais consumido na Georgia, de vaca ou búfala) e no final se acrescenta um ovo estrelado. A ideia é ir dando cabo da proa e da popa, retirando-lhes pão para embeber nessa mistura decadente de queijo e ovo.
Nas sopas, reina o kharcho, um caldo de carne, arroz e khmeli suneli, mistura nacional de cinco especiarias. Entre os pratos mais populares está também o khinkali. O khinkali é um dumpling grosseiro, com a forma de um embrulho fechado só no topo. À semelhança dos xiaolongbao, os famosos dumplings de Xangai, tem uma técnica própria de se comer, que aliás as pessoas não praticam no Treestory, porque o Treestory não explica às pessoas como praticar. A técnica passa por pegar na ponta e furar a base com os dentes, sugando primeiro o caldo, e só depois mastigar o recheio de vaca ou porco, a lembrar uma almôndega condimentada. A ponta deve ser descartada. Outra entrada recomendável é o sortido de pkhali, prato a que os georgianos chamam muitas vezes de salada, mas que se assemelha a um patê vegetariano e pode levar vários legumes em puré, com nozes trituradas e romã no topo.
Muito saboroso é também o frango assado com molho tkemali: frango tostado com uma pasta de ameixas fermentadas. A acompanhar vão bem as fantásticas batatas à moda da Geórgia, assada s em gomos, que me pareceram barradas em molho adjika (chiles vermelhos, alho, coentros e outras ervas), as pontas caramelizadas, uma maravilha. Entre os pratos de tacho, fabuloso o guisado de carne de vaca com tomate, à maneira do chashushuli. Servido num pequeno tacho, com uma tampa de pão assado, é uma mistura deliciosa de beringela, feijão verde, pimento, tomate e carne magra (gorda não teria sido pior), a que se juntam batatas, tudo perfumado com coentros.
Doces todos feitos na casa, sejam as baclavas (excelente a da República Checa), seja o napoleão.
O serviço é curto, só uma pessoa a ir às mesas, sorridente mas pouco comunicativa. Bem sei que sou o tipo de gastro-chato que pergunta qual o pimento que entra na pasta de ajika, mas as explicações foram sempre curtas e, pior, desapaixonadas. A cozinha merece mais e melhor serviço e outro alojamento. Os preços são justos, mas não se deve ir sozinho, que as doses dão quase sempre para duas pessoas.
Em síntese. O Treestory, tem incongruências estilísticas, mas a comida é muito boa, ora quente, ora fresca, feita de tacho e de forno, especiarias e frutos secos, legumes e caldos, como se a nossa avó beirã tivesse estagiado numa casa de Tbilisi. Vale bem a pena a visita, mas vivesse o Treestory numa sala mais confortável, com mais alma, e estaria um nível acima. A acompanhar.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.