Um dos debates do momento entre foodies (esses maçadores) tem a ver com os restaurantes com menu de degustação. Nestes sítios, muitas vezes, o cliente vê a sua escolha limitada e é aliciado a comer um conjunto pré-definido de pratos. Alguns acham isto ofensivo, uma demonstração de vaidade e poder do chef. Eu acho que os ofendidos são meninos birrentos que cuspiam no prato e diziam “não quero”. Toda a gente sabe ao que vai. E quem não gosta faz como o Polansky: não vai.
Eu gosto.
Uma das grandes felicidades de comer – de viver – é a surpresa, a novidade. E a surpresa acontece quando não controlamos tudo.
Serve esta ‘alain-bottonisse’ para dizer que o Trio, nacido há cerca de quatro meses, se assume como um restaurante de menu, com a ambição de servir o que houver no mercado. É verdade que há alguns pratos à carta, mas a coisa está montada para que não se vá por aí, com preços mais em conta na degustação de cinco (50€) ou três pratos (38€). À peça, os quatro pratos principais ficam por 25 ou 28 euros (doses curtas), as quatro entradas por 9€. Mau negócio.
Acresce que Manuel Lino, chef e dono, tem currículo. São conhecidas as suas passagens pelo El Celler Can Roca, jávencedor do concurso The World’s 50 Best Restaurants, ou pelo Mugaritz, um três estrelas Michelin do País Basco. Em Lisboa, andou pelo Mercado de Campo de Ourique e lançou um projecto de cozinha biológica na Comporta, ambos investimentos efémeros. O seu maior palco acabou por ser o Tabik, do Hotel Bessa, onde, segundo o próprio afirmou publicamente, não terá tido a liberdade para criar que queria.
Agora sim. Este barco é seu, não há amarras.
Será?
Olhando para o que Lino leva no porão, vê-se muita coisa que se apanhou em diversos portos.
Num jantar recente, as hostilidades abriram com um “brioche” de alheira com maçã verde, a massa gordurosa e rota na base. Subiu-se rapidamente de nível com o couvert de pães, simples mas frescos, bom azeite Herdade do Esporão e manteiga de alho, e com uma hóstia de camarão (tipo chinesa, mas mais fina), com tomate fumado e carapau
O menu de cinco pratos, por sua vez, parecia um dicionário de fine dining. Zest de “gema curada” espalhado sobre beringela assada e ervas aromáticas; “essência” de iscas e pickle de cebola com batatas; “mousse” de sardinha sob corvina; “cremoso” de abóbora, “crumble” de sésamo negro e gelado de nata e especiarias.
Tudo bem feito, bonitos desenhos, proporções correctas.
Agora, é um restaurante que está à altura das expectativas? Está à altura de uma verdadeira cozinha de mercado livre e surpreendente?
Não está. Não houve nada que me fizesse mastigar de olhos fechados. Não houve nenhum ingrediente verdadeiramente novo, nenhuma combinação incrível. Pelo contrário, por vezes parecia que Lino forçava a utilização do arsenal de alta cozinha.
O espaço, sendo sóbrio e limpo, também não encanta, sobretudo se olharmos para o tecto, forrado a aparelhos de ar condicionado.
Dito isto, estamos a falar de um restaurante com um chef muito novo. Aos 30 anos de idade tudo pode acontecer. E Manuel Lino quer que aconteça.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.