Uma das coisas que mais me fez salivar desde que a Rita me beijou de língua, já lá vão 30 anos, foi o arroz de alcachofras que comi num jantar recente no Vela Latina.
À primeira garfada soltei um impropério (mental) seguido de uma hipérbole (vocal): “Isto é das melhores coisas que comi na vida”. A acidez da alcachofra laminada — muita — e o caldo suave e protéico deixaram-me extasiado e meditativo. O arroz, que acompanhava um magnífico filete de pescada, não tinha o fim lácteo e gordo do risoto; mas também não era o típico malandrinho. Havia ali truque. E eu havia de o descobrir.
Dias depois, domingo de manhã, liguei para o restaurante e pedi para falar com o chef. Benjamim Vilaça, desde os anos 80 à frente do restaurante junto à Torre de Belém (resistiu à renovação recente do espaço), contou tudo.
“As alcachofras são das enlatadas, melhores para isto”, confessou. A declaração poderia ter chocado um gourmet ignorante, mas um gourmand experiente sabe que há várias coisas processadas boas e que os corações de alcachofras, conservados em ácido cítrico, estão entre as melhores.
E mais? “A maneira de confeccionar o arroz é um misto entre à portuguesa e à italiana. Usamos arroz arborio mas depois a técnica é diferente da do risoto. E fazemos com um caldo de peixe, da casa”. E como é que esta ideia lhe surgiu? “Moro no Margem Sul e vinha na Ponte. Aquele cenário inspirou- me”, recorda Vilaça.
E com isto esgota-se praticamente uma crónica. Faltou falar do espaço, agora sofisticado, as mesmas janelas amplas com vista larga para a Doca do Bom Sucesso. Valeria também a pena qualificar o foie gras e o coulis (puré) de marmelo e framboesa. E poder-se-ia ter feito poesia com o entrecôte à Café Paris ou o extraordinário tiramisù com vinho xerez Pedro Ximénez. Tudo pratos óptimos, clássicos, com técnica sólida de escola francesa, num restaurante que resistiu à voragem da novidade e à moda dos menus sazonais, apostando em receituário que demorou anos — décadas — a ser aperfeiçoado e lá continua para nós.
Mas é assim: há coisas que ocupam o espaço todo. Seja a boca da Rita. Seja o arroz de alcachofras do Vela Latina.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.