O bife Wellington é um prato de escola, um teste de técnica e conhecimento, uma armadilha de Masterchef. O ponto de cozedura da carne é difícil de afinar, depois há o forro de massa folhada, camadas e mais camadas de ingredientes. O resultado, nas raras vezes em que a receita sai bem, é maravilhoso, uma grande empada de luxo, densa, suculenta, complexa. Em Lisboa, o Volver (vamos deixar assim, só Volver...) honra o prato com uma versão onde se usa queijo da Serra, mel e patê de aves, evocando a memória dos feitos do general britânico Arthur Wellesley, duque de Wellington, o homem que nos salvou de Napoleão e nos deixou as Linhas de Torres que dão nome à avenida ao lado deste restaurante exemplar.
Digo exemplar por muitas razões, a começar pela carta. Tudo está bem explicado, sóbrio, claro. Todos os detalhes são descritos extensivamente. Nas entradas com o nome “picada” (5,5€ a dose pequena), por exemplo, há a indicação da quantidade (para um, para dois, para mais), se tem ou não glúten e quais os componentes, do excelente chorizo marinado em molho chimichurri à quinoa com hortelã.
No sorrentino (12,5€), um ravióli grande argentino, aqui recheado de abóbora e polvilhado de avelãs torradas, vai-se ao pormenor de especificar a marca do queijo usado. Percebe-se porquê: trata-se do excelente Granja dos Moinhos, talvez ainda o melhor chèvre feito em Portugal, tão bom que me parece um desperdício fundi-lo e misturá-lo neste prato, perdendo- -se parte do sabor e da textura original.
Nas carnes, a ficha é ainda mais específica. Cada peça tem indicada a gramagem, a espécie do bicho e o que ele comeu quando ainda mugia, a origem e o ponto de cozedura recomendado pelo chef – e bem recomendado. Num destes dias, experimentei o rib- -eye (300 g, 24,5€), carne argentina Black Angus “à base de cereais”, mas pedi-o mal passado quando a indicação da casa era para que fosse médio passado. Resultado da teimosia: Volver - 1, Alfredo - 0. O corte rib-eye tem gordura suficiente para aguentar mais lume, ganhando uma crosta mais caramelizada, que é, no fim de contas, a verdadeira razão para se dar duas notas de dez euros por um pedaço de proteína assada do tamanho de uma mão.
Outra prova de que a cozinha sabe o que faz foram os acompanhamentos. É muito raro pedir arroz nos restaurantes, frequentemente surgem espapaçados ou resfriados. Mas não resisto quando me oferecem arroz de coentros (3,75€). E ofereceram. E ainda bem. Aromático, os bagos ligeiramente rijos, uma das melhores coisas simples que se podem comer. Não estava pior o rosti de batata, das poucas invenções boas que a Suíça nos meteu na mesa, com parmesão e alecrim (3,5€), crocante por fora, fofo e leve por dentro. Alguns paladares sensíveis ou mal educados talvez achassem demasiado forte a presença da erva. Eu achei que fazia todo o sentido para uma carne vermelha e intensa, sem outros adereços que não o sal, aqui doseado e distribuído cientificamente (e sabemos como é fácil estragar-se um prato destes quando a mão cai ou, por outro lado, se retrai).
Há ainda a registar o espaço, o mesmo pé alto do tempo em que ali morou o Quinta dos Frades, luz ténue de abat-jour, madeiras escuras, ambiente para levar a miúda, nas colunas ora Camané ora um chill out à Gotan Project (porventura ainda a banda mais tocada do universo nas modernas salas de comida), na rentrée há-de voltar o tango (dançado ao vivo) às quintas à noite.
O preço não é barato, facilmente se chega aos 40 euros por pessoa. Para se ter uma ideia, uma sobremesa vale 7,5€ (aconselho a Terra do Fogo), que é o preço pedido na mais alta cozinha lisboeta. Mas desconfie sempre de restaurantes de carne baratos. Há poucos bois dos bons no mundo e isso tem um custo. O do Volver vale a pena. Wellington haveria de subscrever.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.