Restaurante coreano a escassos minutos de carro de Lisboa? Sim senhor, em Odivelas. E se tudo nestas primeiras linhas lhe é estranho — comida coreana e ir peregrinar aos subúrbios — prepare-se para mudar de mindset: este restaurante teve quatro estrelas do crítico da Time Out Alfredo Lacerda, e deu a provar a esta revista um dos pratos do ano de 2017, o bimbibap — um prato de arroz com uma camade de legumes, tiras de carne, tiras de carne fumada e um ovo estrelado a coroar tudo. Imbatível na ressada, garante o crítico.
Crítica
Os subúrbios guardam muitas surpresas. Um deles é Odivelas ser a nossa Koreantown. É lá que vive praticamente toda a comunidade sul-coreana residente em Portugal e é lá que fica o Xin.
O fenómeno tem escala tuga, naturalmente. Estamos a falar de apenas duas centenas de imigrantes e de um único restaurante. Em lado nenhum cheira a noodles, nem há caracteres exóticos piscando em néons semifundidos, nem se anunciam massagens e prazeres orientais ocultos (ohhhh).
Na verdade, a urbanização onde o Xin está instalado (Colinas do Cruzeiro), com os seus prédios novos em tijoleira e ruas largas com palmeiras, pede 200 mil euros por um T2 e parece-se mais com um quarteirão do Parque das Nações do que com um bairro periférico, e menos ainda com um gueto étnico.
O restaurante, lá dentro, prolonga a estética upscale sem critério da nova Odivelas, misturando sanitário Grohe com plantas de borracha, madeiras e plásticos, artesanato com loja de chinês.
Mas vamos à comida.
Ponto prévio, a propósito de umas alarvidades vomitadas em apps de restauração. A cozinha coreana é tão parecida com a chinesa como a comida portuguesa é parecida com a espanhola. O que significa que há muita coisa que as une e há muita coisa que as distingue. Usar isto para a desqualificar é estupidez ou europocentrismo.
Uma coisa que distingue a cozinha coreana é o prazer dos sabores fortes, sejam ácidos sejam picantes. O símbolo máximo disso é a couve fermentada, mundialmente conhecida por kimchi, o maior ícone gastronómico do país.
É possível comer kimchi noutros restaurantes do burgo. Há chefs que o compram nos supermercados do Martim Moniz e depois o vendem como um exotismo gourmet homemade. O do Xin parece verdadeiramente caseiro e tem a couve rija e avinagrada, com forte presença do alho e um picante forte mas não fortíssimo.
Se for um consumidor médio-alto de malagueta, sugiro que o prove sem mais nada, ou então na sopa picante com tofu. Mas se estiver destreinado inicie-se com os raviolis com carne e kimchi ou com a panqueca tradicional com kimchi, um prato tradicional vencedor.
Fora do kimchi, há coisas boas mais suaves. A minha preferida é a sopa de pastéis de arroz, um caldo perfumado de óleo de sésamo, ceboleto, palitos de cenoura, lâminas de frango e no topo uma omelete fina. Não consigo conceber coisa melhor para um desarranjo intestinal.
Se o problema for ressaca, no entanto, proponho o bimbibap. É provável que seja o segundo prato coreano mais popular no Ocidente, logo a seguir ao kimchi, e haverá dele tantas receitas quantas as de bacalhau. O prato vem numa caçarola muito quente, por baixo arroz branco, seco, no topo, junto às bordas, legumes em juliana pré-cozidos e tiras de carne fumada, ao centro um ovo estrelado, sementes de sésamo a adornar. Na mesa mistura-se tudo, o ovo parte-se, envolve o resto – bom, bom, sobretudo se o arroz do fundo estiver ligeiramente tostado e frito (não foi o caso).
Da lista dos clássicos, a ementa (muito bem escrita em português mas, se tiver dúvidas, a filha dos donos, de origem coreana, fala fluentemente) traz ainda o polvo salteado com um molho de pimentos picante, o japchae (noodles de batata com vegetais e carne), o porco marinado e servido na chapa quente ou o porco a vapor, que acompanha com kimchi.
Há mais de 80 entradas na carta, pelo que a investigação ainda agora começou. O que se pode avançar já é que o Xin dá-nos mais mundo do que o que tínhamos. Mesmo que alguns pratos fiquem aquém em pujança e ingredientes, mesmo que o muito picante tenha sido transformado em moderadamente picante, não deve perder a oportunidade de experimentar um restaurante coreano numa urbanização de Odivelas.
Os preços andam entre os 10 euros (menu de almoço) e os 20 euros por cabeça (para quem quiser provar várias coisas). Uma bagatela. Se o Xin fechar, vai ter de comprar um bilhete de avião para repetir a experiência.