Às vezes a tecnologia faz boa comida, às vezes não.
Há molhos em que a Bimby é imbatível, de tão suaves e cremosos. Mas, por exemplo, há alguns caris que ficam melhor se desfizermos os ingredientes com o pilão do almofariz.
No que respeita às batatas fritas, acontece o mesmo. As batatas pala-pala saem excelentes, finas e estaladiças, se forem laminadas por um robô industrial. Mas se falarmos de palitos, nenhuma máquina conseguiu ainda superar as mãos das pessoas, sobretudo as da Dona Maria.
As mãos da Dona Maria são grossas e calejadas, deviam ser património da gastronomia lisboeta. Começam a manejar a faca pelas 08.00 e só descansam pelas 12.00, quando os clientes do Zé Pinto começam a chegar.
Regressei ao restaurante há uns dias e reencontrei-a e ao Senhor António, casal de sempre do restaurante da Buraca, já no corre-corre da cozinha para a sala e vice-versa, sempre atentos à loiça por levantar, ao vinho que falta na mesa do canto, ao pedido de mais farinheira para o grupo dos amigos do Mário, habituais no cozido.
A Dona Maria oficia há umas quatro décadas no Zé Pinto. Sobreviveu a muitas reformas e ao próprio Zé Pinto. O fundador, entretanto, reformou-se para ser rendido pelo senhor Joaquim, que detém também o Boa Esperança, em Benfica, e O Mattos, em Alvalade.
O Zé Pinto ficou conhecido pelo arroz de feijão com entremeada, mas hoje em dia não é isso que lá me leva – a mim e à centena de pessoas que enchem diariamente as duas salas da casa.
Numa sexta-feira ao almoço, enquanto esperava no corredor que dá para o avançado, nas traseiras, passavam travessas de coelho, de iscas, de secretos – de tudo e mais alguma coisa – sempre acompanhadas por outras tantas de batatas fritas. E que batatas fritas.
As batatas do Zé Pinto são finíssimas e irregulares e de um loiro brilhante. Não há um descuido nos tempos, na temperatura do óleo. São sempre iguais. Vêm servidas nas clássicas travessas de alumínio e podemos antecipar que estão crocantes e tesas só de olhar para a forma como se empilham num micado em pirâmide.
Como não podia deixar de ser, as batatas fritas foram o prato principal. A acompanhar, secretos de porco e plumas, que aqui são servidos cortados finamente em juliana – o que facilita mas tem o problema de arrefecerem mais depressa. E, ainda, uma dose de arroz de feijão (mínimo para duas pessoas), cozinhada no momento; e uma salada mista, fresquíssima e com a dose certa de vinagre para quebrar a gordura, que não era pouca.
Tudo bem, menos o arroz de feijão. Gabado universalmente – e anunciado no menu como “a especialidade das especialidades” –, veio com o feijão cozido na perfeição mas, assim que pousou na mesa, emanaram dele intensificadores de sabor e ficou claro que os bagos eram desses curtos, da família dos agulha, e não do tradicional carolino, mais indicado para a função.
De referir ainda que, no arranque, estavam bem as azeitonas temperadas, menos bem o pão embrulhado em plástico; e que, no final, provou-se o bolo de bolacha, já sequinho do frio e a faltar-lhe café.
Em síntese. O Zé Pinto continua a ser a casa barulhenta de sempre, com cozinha tradicional e as paredes forradas a parafernália benfiquista. Não há petiscos surpreendentes, abundam os lagareiros costumeiros, mas na grelha e no tacho trabalha quem tem mão e, sobretudo, quem sabe fazer batatas fritas.