A cena é a seguinte: um cavalheiro com capacete de ciclista e óculos de natação brinca com legos. Nos seus arredores, uma enérgica atleta, mistura de treinadora física e mestre de auto-ajuda; uma cantora lírica que há-de gritar não ser cantora lírica; um músico; uma misteriosa figura feminina acantonada na sombra; um par de actores que entra e faz umas coisas e fala um linguajar (uma novilíngua, um patuá?), e sai, antes de regressar já no meio de uma confusão. E ainda nem passaram 10 minutos. E por detrás disto está Martha Rosler.
Comecemos por aqui. Pela inspiração (e quando escrevo inspiração quero dizer influência, e não homenagem ou uma dessas parvoíces sempre na ponta da língua do pós-modernismo) nas imagens sobrepostas, melhor, na despudorada crueldade das montagens desta artista conceptualista norte-americana (autora do seminal Semiotics of the Kitchen), onde – como diz a folha de sala – “os códigos de cultura pop de ‘épocas’ e/ ou ‘eventos’ específicos ao longo do tempo” convivem com e exploram a violência da guerra. Porquê? Por ser preciso prosseguir a procura pela “cena perfeita, sabendo que a selfie não mata mas mói”, numa altura em que o “ressabianço é possivelmente a maneira mais fácil de camuflar o buraco em que estamos metidos.” Eis o programa. Agora, o carrossel pode prosseguir. E é um verdadeiro carrossel de observações e emoções e questões. Muitas, dispostas em movimentos excêntricos e nem sempre compreensíveis, desenvolvidos em ritmo trepidante através do espaço de umas caves e das suas paredes bombardeadas por imagens (Maria Munhoz, Isabél Zuaa), que Os Pato Bravo levantam e/ ou evocam em Beautiful House – confirmando a existência de outros caminhos para o teatro.
E toda a gente conta, toda a gente tem um papel nesta variedade de “quem somos, para onde vamos” destes tempos de crise e incerteza que a criação, direcção e dramaturgia de Pedro Sousa Loureiro engendrou com astúcia e particular criatividade. O que faz com que este espectáculo (que também interpreta, com Gilvanio Souza Gigi, Joana Campelo, Marta Barahona Abreu, Susana Blazer, e ainda Helena Barahona Simões mais o músico Mário Gonçalves Oliveira), correspondendo ao ritmo de uma vida frenética e condicionada, onde a reacção não deixa espaço para a reflexão, com recurso aos mais prováveis e improváveis mecanismos cénicos, percorra a beira do abismo como se não houvesse futuro. Porém, lá no fundo, guardando uma réstia de esperança capaz de abalar o estado das coisas.