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©Simon GosselinO Silêncio e o Medo, com encenação de David Geselson
©Simon Gosselin

David Geselson: “A vida de Nina Simone cruza-se com a História”

Inspirada na cantora, pianista e activista Nina Simone, ‘O Silêncio e o Medo’ ocupa o D. Maria II de quinta-feira a sábado. Conversámos com o encenador, David Geselson.

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Após ter passado pelo Teatro Nacional D. Maria II em 2019, o actor e encenador francês David Geselson, regressa a Lisboa com O Silêncio e o Medo, espectáculo que entrelaça a biografia de Nina Simone com a história colonial e as vivências afro-americanas. A peça põe em perspectiva uma história individual e uma história colectiva, perpassada por confronto, violência e resistência, para tentar construir um espaço partilhado e de reconhecimento mútuo num teatro que deve ser “o espelho do mundo”.

Porquê Nina Simone?
Depois de ter criado En Route-Kaddish, cruzei-me com uma biografia de Nina Simone escrita pelo franco-suíço David Brun Lambert. Isto foi após ter ouvido um conjunto de discos que ela tinha lançado pela RCA nos anos 60 e 70. Eu conhecia a música, mas muito pouco da sua história. Descobri uma vida épica que terminou numa solidão quase total em França, em 2003, mas também a história de uma busca íntima pelo reconhecimento e de uma luta política vital, que ainda ressoa. A forma como a vida dela se cruza com a História pareceu-me uma oportunidade para trabalhar sobre a história afro-americana.

De que maneira é que procurou entrelaçar a biografia de Nina Simone com o contexto histórico dos EUA desse ponto de vista?
Nina Simone – ou Eunice Waymon, o seu verdadeiro nome – foi uma criança prodígio, nascida na Carolina do Norte, que se transformou numa estrela e numa das principais vozes do Movimento dos Direitos Civis. É também a tetraneta de um cherokee que sobreviveu ao genocídio da população nativo-americana, casado com uma africana negra escravizada. Ou seja, ela transporta dentro dela quatro séculos de história colonial. Contar a sua história é também uma oportunidade para evocar a conquista sangrenta do “novo continente” por vários impérios ocidentais. E, ao fazê-lo, contar parte da história dos afro-americanos, que está intimamente ligada a este período. Como é que o medo de ser destruído, por causa de quem és, deixa cicatrizes permanentes nos corpos e nas mentes daqueles que sofrem, e é passado de geração em geração? Os europeus também são herdeiros destas feridas. Vítimas ou executores, as nossas histórias são o fruto de revoltas causadas pelo desenvolvimento dos impérios que viriam a constituir a Europa.

Enquanto homem branco, francês, imagino que se tenha questionado sobre se deveria ou não contar esta história. Que tipo de decisões tomou de modo a não ocupar um lugar de apropriação?
Aqui não é uma questão de nos apropriarmos de uma história que não é a nossa, mas de tentar criar uma comunidade e de congregar os protagonistas que são herdeiros de dois lados com consequências muito diferentes, no sentido de procurar construir um lugar comum. Para abordar aquilo que Nina Simone transportava dentro dela, pareceu-me essencial trabalhar com artistas afro-americanos. Não tanto para legitimar esta investida, mas para perceber como construir um encontro real e torná-lo presente. A equipa artística é composta por duas heranças, duas maneiras de trabalhar: uma franco-europeia e uma afro-americana.

A extrema-direita em França está em clara ascensão. Considera que as artes performativas devem ser activa e didacticamente contra o racismo e a xenofobia, ou não devem estar dependentes de problemáticas, ideologias e discursos políticos?
Eu acredito num teatro que é o espelho do mundo em que vivemos, e esse mundo está cheio de ideologias. O teatro deve espelhar essas ideologias, mas não só. No que me diz respeito, defendo vigorosamente um teatro que construa ferramentas para lutar contra a violência e o ódio, e ao mesmo tempo para trazer poesia, significado e reconhecimento mútuo ao mundo que partilhamos.

Teatro Nacional D. Maria II. Qui-Sáb 19.00. 9€-16€.

Conversa de palco

Desde o início de 2019 que está à frente da Rua das Gaivotas 6, espaço do Teatro Praga, uma casa que tem por hábito dar carta-branca aos artistas que por lá passam. Pedro Barreiro é daquelas pessoas com quem dá gosto debater ideias. Não hesita em meter o dedo na ferida, seja ela qual for. E, por estes dias de quarentena, já prometeu que não vai cortar a barba nem cortar o cabelo, pelo menos até poder sair à rua. É dos que considera que as artes performativas não podem, a longo prazo, prosseguir online.

O ciclo Este é o Meu Corpo reúne os sete emblemáticos solos de Mónica Calle. São 30 anos de vida e de trabalho redescobertos e actualizados, num gesto de afirmação e resistência em que a actriz, criadora e fundadora do grupo de teatro Casa Conveniente regressa à palavra, através do seu corpo e com Dulce Maria Cardoso, Rimbaud, Samuel Beckett, Henry Miller ou Al Berto, e à pergunta que sempre lhe serviu de bússola: como se continua? “Gostava que isto me permitisse abrir um novo ciclo e encontrar algumas respostas. Agora vou confrontar-me com muitas outras coisas.”

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Tiago Rodrigues acaba de ser reconduzido para um terceiro mandato como director artístico do Teatro Nacional Dona Maria II. Este é o resumo possível de uma conversa longa e sem grande guião, mediada pelo ecrã como todo o teatro possível por estes dias. Uma sessão de zoom em que o Prémio Pessoa 2019 fala de política cultural e de intervenção cívica, da cegueira e da lucidez adiada, de Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, de tudo o que a pandemia ameaça matar e da explosão criativa que já estamos a viver à conta dela.

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