Desde o início de 2019 que está à frente da Rua das Gaivotas 6, espaço do Teatro Praga, uma casa que tem por hábito dar carta-branca aos artistas que por lá passam. Pedro Barreiro é daquelas pessoas com quem dá gosto debater ideias. Não hesita em meter o dedo na ferida, seja ela qual for. E, por estes dias de quarentena, já prometeu que não vai cortar a barba nem cortar o cabelo, pelo menos até poder sair à rua. É dos que considera que as artes performativas não podem, a longo prazo, prosseguir online.
Esa Cosa Llamada Amor foi a primeira criação da Plataforma285 e o início de uma história de amor que hoje junta Cecília Henriques, Raimundo Cosme, Raquel Bravo e Beatriz Vasconcelos. Dez anos e 15 criações depois, com muitos amigos pelo meio (Sara Barros Leitão, Mariana Sá Nogueira, Marta Passadeiras, Filipe Sambado, Conan Osiris...), a companhia lisboeta estreia no Centro Cultural de Belém o seu novo espectáculo, Esa Cosa Llamada Amor – 10 anos depois. De sexta-feira a domingo vão revisitar a temática do primeiro trabalho, agora com mais dúvidas do que certezas e com um elenco composto por cúmplices do projecto, entre eles Cláudia Jardim, Paula Sá Nogueira e Vaiapraia, aos quais se juntam alguns convidados especiais. “Venham ver que a sala é grande.”
Fazendo marcha atrás dez anos, o que vos levou a criar o vosso primeiro espectáculo, Esa Cosa Llamada Amor, e porquê este tema?
Há dez anos, o Raimundo e a Cecília tinham 21 anos, tinham acabado uma novela de vampiros e queriam fazer um espectáculo sobre pares românticos. Estavam fascinados com tudo o que envolvia essa definição (não tivessem eles sido um par romântico na dita novela): o que torna duas pessoas um par romântico? O que é que, do ponto de vista imagético, os faz funcionar nas lógicas cinematográficas e televisivas? O que se espera de um par romântico? Fascinados com isto, criaram um primeiro espectáculo, pueril e jovial, que lhes permitiu depois criar esta companhia.
Passada uma década, a vossa concepção sobre o que é o amor está diferente?
Com 20 anos tínhamos mais certezas. Agora interessam-nos as dúvidas, os espaços em branco, o que ainda não sabemos, a procura e o questionamento. E o sentido de humor, claro. Mas hoje é-nos inevitável pensar sobre a dificuldade de estabelecer relações num mundo que se quer tão rápido, tão produtivo, com vidas que se querem tão eficazes. Como encontrar então espaço, disposição e tempo para falhar, para conhecer verdadeiramente alguém. Isso é completamente estruturante neste espectáculo, a dificuldade de estabelecer relações profundas e prosseguir com tudo o que há para fazer no quotidiano. E mesmo embora estejamos hoje – e finalmente – mais conscientes sobre as várias possibilidades de identidade e expressões de ser, a crise do cuidar mantém-se e é até aumentada pela impossibilidade do encontro, de estabelecer diálogo, de encontrar um lugar onde se possa vivenciar as diferenças e as frustrações, mas em conjunto.
“Esa Cosa Llamada Amor – 10 anos depois questiona como a cultura e a arte criam expectativas sobre a vida amorosa e o impacto disso na sociedade”, lê-se no texto de apresentação da peça. Podem aprofundar, dizendo a que conclusões chegaram?
Na Plataforma285 não procuramos chegar a grandes conclusões, mas sim coleccionar cada vez mais perguntas. Isso está a acontecer nos últimos dez anos. É um facto que o cinema, a publicidade, os videoclipes e outros elementos da cultura pop criam um imaginário comum, contribuindo para a nossa educação amorosa. É suposto amarmos o amor. É rentável e é mais agradável. Dá esperança (e depois não dá, mas pode dar outra vez). E como qualquer aspecto da educação, categoriza-te, torna-te parte de algo maior, ao mesmo tempo que estrutura a tua vida. Como fugir a isto? Ou melhor, queremos outra opção, não nos serve a visão que nos querem impôr, isto porque no final todos amamos o amor (aqui na Plataforma285, pelo menos). A partir daqui, só mais perguntas...
De que maneira é que o vosso percurso nas artes performativas – tanto enquanto criadores como espectadores – contribuiu para reflectirem sobre essa questão?
Ao veres espectáculos, às vezes mais do que a fazeres, acumulas um outro conjunto de questões. Nesse sentido, as formas escolhidas para colocar todas estas questões em cena são estruturas por dez anos a ver coisas, a tentar em cada projecto e a falhar muitas vezes, para depois voltar a tentar. Nós dizemos que andamos sempre a fazer o mesmo espectáculo, e dizemos isso porque, no fundo, todos os nossos espectáculos são um continuar daquilo em que temos vindo a trabalhar. Estamos sempre a falar das mesmas coisas. E, por isso, estamos sempre a falar sobre amor, sobre o capitalismo do sensível, sobre cultura pop, porque nunca conseguimos chegar a conclusões sobre as problemáticas que vamos desenvolvendo.
Em relação a este novo espectáculo, quais são os pontos de contacto, e de divergência, em comparação com o de há dez anos?
Em primeiro lugar, é outro espectáculo. A opção foi, desde sempre, fazer uma nova criação a partir da mesma problemática. Ainda assim, existem vários pontos de contacto, mas não apenas com o primeiro espectáculo, porque, ao mesmo tempo, é uma recriação que revê os dez anos da companhia. Por isso decidimos inventar uma estrutura bastante permeável ao contágio e à reapropriação de ideias, ou mesmo de citações directas de outras criações nossas. Do primeiro transitaram algumas imagens e o título – e vamos dizer que aqui há também um casal real, mas não dizemos mais nada, venham ver que a sala é grande.
Esa Cosa Llamada Amor foi feito com 285€ na loja da Cão Solteiro. Esa Cosa Llamada Amor – 10 anos depois vai ser apresentado numa das principais instituições culturais do país e imagino que o orçamento seja bastante maior. Consideram que subiram na vida?
Ou a precariedade continua mais ou menos na mesma, só que com mais glamour e visibilidade? Somos actualmente uma estrutura financiada pela DGArtes, temos vários parceiros institucionais que assumem co-produções que viabilizam as nossas ideias, mas nem assim esta realidade consegue assegurar a base sólida e sustentável que a equipa e o trabalho desta companhia já exigem. Se ainda continuamos a pedir 1% para a cultura... Sobre este assunto, glamour e visibilidade, sugerimos que oiçam dois dos episódios do nosso podcast pequenino 10 Anos Luz, o três e o oito.
Que balanço fazem destes dez anos?
A Plataforma285 é neste momento, uma estrutura estável, com uma equipa fixa supercompetente. Foi este percurso de dez anos que permitiu estes encontros, com estas pessoas. Temos também um grupo excepcional de artistas com quem trabalhamos muitas vezes. Aliás, neste espectáculo, todos os artistas são repetentes e não há coisa que nos alegre mais, sentirmos que continuamos a ser um lugar de amor.
Desejos para os próximos dez?
Apoios para sempre! Amor para sempre! E 10% para a cultura (1% não está a resultar).
CCB. Sex 21.00, Sáb e Dom 19.00. 12€-15€