Desde o início de 2019 que está à frente da Rua das Gaivotas 6, espaço do Teatro Praga, uma casa que tem por hábito dar carta-branca aos artistas que por lá passam. Pedro Barreiro é daquelas pessoas com quem dá gosto debater ideias. Não hesita em meter o dedo na ferida, seja ela qual for. E, por estes dias de quarentena, já prometeu que não vai cortar a barba nem cortar o cabelo, pelo menos até poder sair à rua. É dos que considera que as artes performativas não podem, a longo prazo, prosseguir online.
Não é exagero falar de um fenómeno. A cada nova data, esgotam os bilhetes de Todas as Coisas Maravilhosas, monólogo-sensação escrito pelo britânico Duncan Macmillan e interpretado por Ivo Canelas. Desafiado por Hugo Nóbrega, da produtora H2N, o actor traduziu e adaptou o texto com a poeta e tradutora Margarida Vale do Gato. Durante 110 minutos, no Estúdio Time Out, Canelas orquestra uma catarse colectiva de quase duas centenas de pessoas a quem propõe o exercício constante de reparar nas coisas maravilhosas que as rodeiam. E isso tanto pode ser “bolachas molhadas no leite”, “gelados”, “poder ver televisão depois da hora de ir para a cama” ou simplesmente “conversar”.
A peça parte da história de um menino que faz uma lista de todas as coisas que mais adora no mundo para ajudar a mãe a combater uma depressão. Com a saúde mental como tema central, abordam-se outros como a solidão, o amor, a culpa, a ausência, a felicidade, a tristeza. É uma montanha-russa de emoções que acontece desde que a peça se estreou em 2019 em Portugal. Ivo Canelas, 49 anos, está a repetir o monólogo numa quarta – e, garante, última – temporada. “A cada ano, cada frase que eu digo torna-se mais minha”, diz à Time Out.
Uma das coisas maravilhosas na lista é conversar. Para um actor, dar entrevistas classifica-se como conversar?
Acho que sim, completamente. Depende de duas coisas. Se não estás a dar muitas entrevistas e se não estás um bocadinho cansado de te ouvir a ti próprio a dizer ‘sou assim ou sou assado’. Deve ser defeito de actor, mas assim à quarta entrevista começo a contar histórias que nem sei se são verdade, são um bocadinho para me entreter a mim próprio. Não é literal, mas tenho vontade, para não me aborrecer. Por outro lado, o interesse do jornalista, do entrevistador na entrevista. Isso vai determinar se é conversa. Depende da profundidade.
Mas tira-se prazer disso ou faz parte do ofício?
Depende. Às vezes sou surpreendido. Prefiro não dar entrevistas, dou entrevistas normalmente quando estou em trabalho. Exactamente por isso, porque a minha vida pessoal não é assim tão interessante, também não partilho muito. Se houver trabalho eu falo, porque percebo que é importante. Outras vezes acontece aquela coisa do ‘fala-me do bichinho do teatro, quando é que fizeste o clique?’. E eu: ‘pronto, vamos falar de cliques’.
Falando de cliques, esta peça tem estado sempre esgotada. Porque é que se tornou este monólogo-sensação?
São várias coisas. Estou a fazer isto pelo quarto ano. Temos feito um mês por ano. No primeiro ano, no dia de estreia tínhamos dez bilhetes vendidos. Ficamos muito preocupados. Mexemo-nos por todo o lado e convidámos 400 pessoas em dois dias. Amigos, colegas, pessoas da rua, e fomos enchendo a sala assim. E, depois, o boca a boca disparou. E começámos não a esgotar, mas a encher. E depois vieram as pandemias. Devido à flexibilidade da equipa do Time Out Market foi um espectáculo que atravessou as pandemias todas, estivemos sempre a funcionar. Com distâncias maiores, reduzimos o público, e isso mostrou que este monólogo ganhou uma dimensão ainda mais óbvia de reforçar o quão passageiro isto é. Como fizemos carreiras curtas, o espectáculo leva poucas pessoas, 200 no máximo, o boca a boca foi-se acumulando. E o espectáculo é a história de um miúdo, que escreve uma lista de coisas maravilhosas para tentar convencer a mãe de que há razões para viver a seguir à sua primeira tentativa de suicidio. Já no primeiro ano encontrei um público disponível para falar ou ouvir falar sobre este tema. a depressão já sabia que seria transversal à sociedade, surpreendeu-me o interesse e quão transversal é a questão do suicídio. Não tinha essa noção. Se não é sobre ti é sobre um amigo, se não é sobre um familiar é sobre um vizinho, sobre um colega. De repente toda a gente tem uma história mais ou menos próxima sobre o assunto. E há uma vontade, e a arte faz isso, e o espectáculo fala sobre isso, sobre a proposta de que a arte não só é catártica como nos obriga a pensar juntos, e a sentir coisas que nós às vezes não queremos sentir. Isto tudo acumulado, e o facto de haver uma maturação do nosso lado, e quando digo nossa é da Dora Bernardo, que é assistente de encenação e directora de actores do espectáculo, que acompanhou todo o processo e que mantém o espectáculo num sítio muito fresco. Não me deixa a mim descambar, não me deixa ficar confiançudo. Isto faz com que, ao fim destes quatro anos, sinta que estou a fazer este espectáculo de uma forma muito sharp, modéstia à parte. Demorei este tempo todo até sentir que há aqui um domínio da matéria muito interessante.
O espectáculo tem ‘maravilhosas’ no título, colhe elogios. Reconhece-se nesse retorno? Como é, enquanto actor, a relação com o ego?
Por feitio e educação a minha relação com o ego, felizmente, não é algo que me aflija muito. A coisa nunca incha. Mas sei e reconheço o valor que está aqui. Não estou a fazer para vocês [público], estamos a fazer juntos. Isso é uma coisa muito especial e muito única, que nunca tinha feito em espectáculo nenhum. Sempre tive muito medo e desinteresse da repetição, e de fazer coisas durante muito tempo.
Ninguém diria.
Pois, eu sei. Isso é surpreendente e fascinante. Eu próprio estou surpreendido. Desde a primeira temporada que falamos sobre quando é que vamos acabar isto. Agora identificámos. Tenho descoberto na repetição coisas extraordinárias, este sentido de sharpness que sinto hoje não é mérito, mas é pela oportunidade de ter feito isto 170 vezes. Agora começo a entender as culturas asiáticas a dizer que só quando fazes uma coisa 4 milhões de vezes é que começas vagamente a fazê-la bem feita. É uma ideia muito contemporânea nossa, da sociedade ocidental, de bora, rápido, lança, está feito, segue para outra, scroll, scroll, scroll. Eu sabia isto teoricamente, não sabia na prática.
Ainda descobriu algo novo neste reencontro com o texto?
Em todas as temporadas descubro como a memória, e a percepção do material e a interiorização do material se aprofundam. Cada ano que passa sei o texto a níveis que não sabia que era possível saber. Claro que a hipótese de falhar está lá sempre, mas a compreensão e a apropriação do material, a cada ano, cada frase que eu digo torna-se mais minha. É incrível.
E, ainda assim, esta será a última vez, diz. Porquê?
Porque tudo tem um fim. Porque se não corres o risco contrário, que é desvirtuar tudo isto e todo este processo incrível se desvanecer e ficar uma memória fantasmagórica de qualquer coisa que foi incrível e que tu não soubeste... é como uma onda.
Já se sentiu refém deste monólogo?
Não. Estou sempre atento. E tenho sempre gente de fora a dizer-me: vai, ainda está fresco. É também por uma questão de energia minha. Podia fazer isto com 80 anos e seria outra coisa, já não tens a vibração e a vaidade do corpo. Seria uma coisa diferente. Mas estou atento e é preciso saber sair. Já disse várias vezes que era a última temporada e voltámos, mas agora é. Ainda não decidimos bem as datas, vamos esticá-las, mas vai ser algures este ano.
É comum perguntar aos actores como se relacionam com as personagens, se as levam para casa. Aqui a pergunta parece mais inevitável porque a confusão entre o que é real e o que é ficção esbate-se muitas vezes. E, sobretudo, porque também tem partilhado que recebe muito feedback das pessoas com as suas histórias, de sofrimento, de amor, de partilha…
É partilha. E a partilha tem as coisas todas. Não sei bem. Não sei bem responder. Descansar durante este monólogo tem sido o maior desafio. Há uma grande excitação, há muitas energias. Preciso de correr muito para me cansar e agora estou sem correr e sinto a coisa acumulada, sinto que não consigo dormir tão bem e isso fragiliza-me. Mas, como qualquer personagem ou história a que te dediques, passas ali algum tempo a aproximar-te das coisas que são distantes de ti, a reconhecer as que não são distantes e que não é preciso trabalhar muito porque estás na zona. A imaginar as que são estranhas para se tornarem tuas. E, depois, o teu corpo, como o António Damásio fala, a tua consciência cospe-te para fora. O treino que tive na escola sempre foi ‘sair é tão importante como entrar’. Saio com a mesma força com que entro. Há uma partilha muito grande de energia, pela construção do espaço, pelo contacto visual, e também é por isso que eu faço um mês e depois tenho de parar uma semana, dez dias, para limpar e para fazer reset e para voltar a ganhar energia. Agora estamos a fazer o desmame, que a cada mês que avançamos fazemos menos sessões.
A peça aborda o livro A Paixão do Jovem Werther, de Johann Wolfgang von Goethe, e o seu impacto para falar sobre o cuidado que é necessário ter quando se fala de suicídio, evitando efeitos de réplica. Que preocupações houve na adaptação portuguesa desta peça?
O tema é complexíssimo, e a forma como o Duncan Macmillan aborda o tema é de uma falsa simplicidade. Isto é um objecto de relojoaria teatral incrível. Poucos personagens são nomeados, as personagens são arquétipos. O que nos permite uma identificação maior. Parece que estou a falar de ti, se não o todo em partes. A nossa imaginação completa o resto.
Toda a gente teve o primeiro cão, o primeiro amor...
Sim. Somos nós ou podíamos ser. Isso cria uma onda empática muito grande. A tradução foi feita por mim e pela Margarida Vale de Gato, e a adaptação também. Foi muito importante escolhermos as músicas para criar uma realidade adaptada ao país.
O Jorge Palma [cuja música se ouve em Todas as Coisas Maravilhosas] já viu a peça?
Já! Veio durante a pandemia, portanto veio com máscara. De repente, começamos todos a cantar, eu sabia que ele estava cá, e começamos a ouvir a voz do Palma. E o pessoal ‘não estou a perceber’. Era o Palma ali [aponta para uma das cadeiras] a cantar. Foi incrível.
Voltando à delicadeza do tema...
Sim, tomámos uma decisão muito importante que foi falar com a SOS Voz Amiga, que se tornaram nossos parceiros ao longo destes quatro anos. E, depois, mostrar isto a vários psicólogos. Porque rapidamente percebemos que o material não era sobre listas maravilhosas.
Não é um espectáculo que diz “vai ficar tudo bem”.
Não, não é sobre isso. O cartaz é enganador.
Está com um enorme sorriso.
É completamente intencional. Tive reuniões com a SOS Voz Amiga logo na primeira temporada. Partilharam, dentro do que é possível partilhar, o tipo de pessoas que ligam para lá. Nem sempre é só sobre suicídio, às vezes são só pessoas sozinhas que precisam de falar e aproveitam a disponibilidade da linha. Mostrei-lhes o material e eles acharam muito interessante. Mostrei a vários psicólogos e acharam o material com capacidade catárticas, quase como um exercício de psicologia. Falaram-me de uma coisa que eu não conhecia que era as constelações familiares, em que nos reunimos todos e tu fazes de pai, eu de mãe, e vamos reinterpretar a história. A validação dos psicólogos e da SOS Voz Amiga foi muito importante para sentir que não estávamos a ser pata pesada no tema, nem falsa Ted Talk, nem falso workshop motivacional. Estamos a explorar essas coisas todas, a desconstruí-las, gozá-las, mas ao mesmo tempo a retirar delas o que há de bom, na possibilidade de comunhão para as pessoas não religiosas, para as pessoas que não vão a concertos. Sem revelar o que acontece aqui a meio do espectáculo, do ponto de vista da energia, é uma oportunidade única.
A peça exige a participação do público. O sentimento natural de quem participa é, muitas vezes, o de querer ter graça. Como é que se consegue actuar ciente desse perigo, quando se está a tentar encaminhar o público para um momento de melancolia ou tristeza?
Varia muito. Nunca é só isso. [Na sessão de] ontem foi um bocadinho isso, mas o espectáculo está armadilhado de forma a que isso também me sirva para nos levar para outro sítio. Acima de tudo eu não posso querer nada, tudo está certo. E estando tudo certo tudo é humano. O querer ter graça, o usar a graça como disfarce para a tristeza, que é muito presente. Até esse “ah, que engraçado que eu sou”. Já tivemos pessoas a fazer partilhas de uma dimensão humana extraordinária, em que todos fomos projectados cinco milhas cósmicas para outro sítio.
Como é que se lida com essa imprevisibilidade?
Nem eu era capaz de fazer isto se não fosse essa imprevisibilidade. Nenhum espectáculo é igual, mas este não é de todo, porque os actores são diferentes todas as noites. Eu sou o único actor que se repete. A história muda e nunca sei para onde é que ela vai. Sei para onde é que eu a posso conduzir, sei o resultado que pretendo. Mas mesmo o resultado varia muito.
Na vida, também lida bem com o imprevisível?
Adoro.
Quando ganhou uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian e foi estudar para Nova Iorque, qual era o plano?
O plano era, e ainda não desisti, trabalhar no estrangeiro. Sempre tive esse sonho desde miúdo. Fui estudar para o The Lee Strasberg [Theatre and Film Institute], fui muito apoiado pelos meus pais, go, go, go, ganhei a bolsa da Gulbenkian, os meus pais continuaram a ajudar-me. Eu sou uma pessoa muito privilegiada, venho de um background muito privilegiado, sou muito apoiado, ainda hoje. Isso também se reflecte naquilo que eu tenho para dar. Porque me foi dado muito. Tenho uma estrutura muito forte, é uma coisa que eu tenho vindo a perceber ao longo dos anos...
Sente-se em dívida com alguma coisa?
Não, de todo. É prazer. É reconhecer. A questão da meritocracia, que me foi muito incutido em miúdo, tem valor se partíssemos todos do mesmo sítio. E eu parti à frente. Por causa das minhas condições familiares, da minha estrutura emocional, tudo isso faz com que já esteja dez passos à frente de outras pessoas que ainda estavam a pôr-se à tona e eu já estava a flutuar. Isso dá-me imensa capacidade de devolver. Em relação a Nova Iorque, tudo o que fiz lá é determinante para o que faço aqui hoje, toda a técnica que tenho é muito baseada em improviso, aceita o que vem, não trabalhes para a emoção, trabalha para aquilo que está a acontecer e, se a emoção vier, veio. E isso às vezes é incrível, outras vezes não é incrível, mas também é humano não ser incrível. A canastrice só vem quando tu és orgulhoso, e às vezes vem. Mas o sonho é e continua a ser trabalhar no estrangeiro. Aí está um lado que eu nunca consegui... Dos 200 castings que devo ter feito ao longo da minha vida fiquei em dois three liners, que são três frases e acabou-se. Agora mudei um bocadinho a estratégia. Eu ia todos os anos para Nova Iorque e para L.A., e agora menos. Durante a pandemia reflecti um bocado sobre o que é que isso significava. Era um grande esforço pessoal e um grande sacrifício que me arranhava um bocado. Decidi adoptar a minha cadela e isso também mudou a minha percepção e a minha vontade de ir ou não.
Foi o aproximar dos 50 anos ou uma reflexão que tem vindo a fazer?
Foram muitos anos... “A loucura é quando tu queres atingir o mesmo resultado através das mesmas técnicas”, não é assim? Eu achei que estava... Todos os anos a arrancar três meses para Nova Iorque ou L.A., a lavar pratos ou o que fosse, a cancelar montes de coisas aqui, porque nunca queria o compromisso para estar completamente livre para o Martin Scorsese me ligar e eu ir a correr. E o Martin Scorsese não liga, não tem ligado [risos]. A pandemia fez-me pensar nisso. Fogo, o que é que eu estou a fazer? E mudei. Também acompanhei a mudança das self-tapes, cada vez mais é menos necessário estar onde quer que seja. Mas isso ainda é um lado meu, é um sonho, com que lido bem. Já lidei menos bem, no sentido da não concretização. Hoje já lido bem. É aquele poema do Pessoa [Alberto Caeiro]: “O que for, quando for, é que será o que é”.
Usou a expressão “querer estar livre”. Quando é que se sente mais livre?
A idade traz isso. Eu julgava que era mais livre mais novo, e agora percebo que não era assim tão... São noções de liberdade diferentes, não é?
Exigia-se outras coisas?
Não sei explicar. [Longo silêncio.] Sinto-me muito livre a trabalhar. É um sítio onde me sinto muito livre. Acho que é onde me sinto mais livre.
Numa entrevista em que fala de um dos seus passatempos, a fotografia, diz: “Gosto imenso do preto e branco e de contraluz. E gosto muito destes sítios onde ninguém repara em ti”. Essa ideia não entra em conflito com uma profissão que é visibilidade?
Não, nada. 95% dos actores são bichos-do-mato e nas festas estão a olhar para o vaso e a dizer ‘que vaso tão interessante’ e a esconderem-se atrás do vaso [risos]. Eu gosto desse sítio porque te permite observação, que é essencial para o meu trabalho. A minha escala de reconhecimento é incrível, é muito fixe, porque sinto o reconhecimento, que é maravilhoso, mas posso ir a qualquer lado, que não me incomoda de forma alguma, pelo contrário.
Consegue andar na luz e na sombra.
Sim, e isso é fantástico para estar a ver os outros. Que são o espelho de ti e que através dos outros consegues perceber ‘ah, eu se calhar também às vezes…’
Na sua lista de “todas as coisas maravilhosas”, ser actor é uma delas?
Eu gosto muito. Qualquer profissão que gostes de fazer é maravilhoso. Qualquer pessoa que faça aquilo de que goste é maravilhoso. Eu acho que há arte em todas as profissões. A possibilidade de ganhares dinheiro a fazer uma coisa que gostes de fazer é para mim… Eu adoro trabalhar, mas também adoro não fazer nada. Oh, meus amigos, posso ficar um ano parado, se tiver dinheiro na conta poupança, vão se todos lixar [risos].
Quando não está a trabalhar está a fazer o quê?
Adoro fazer jardinagem, cavar buracos, plantar árvores. Adoro tocar instrumentos, que toco mal, mas adoro tocá-los. Adoro correr, fazer maratonas. Gosto muito de fazer isto, mas percebo que para fazeres isto precisas de fazeres outras coisas. Isto é maravilhoso, mas é desgastante, o teatro particularmente. Sempre fugi do teatro por causa disso.
Imagina-se a representar até ao fim?
Uff, espero que não. Espero conseguir criar condições para desaparecer tipo Tina Turner. Gosto imenso da maneira como a Tina Turner desapareceu. Um dia fez um concerto, com aqueles pernões incríveis, e depois nunca mais ouvimos falar dela. E eu sei que ela está na Suíça há 30 anos. Nunca a ouvimos falar ‘ah se calhar vou embora ou vou voltar’. Não. Desapareceu. Acho isso formidável. Obviamente também gostei muito de ver o Joe Pesci agora quando ele de repente voltou [em The Irishman, 2019]. Mas veio contrariado. Veio porque o obrigaram.
Bem, são situações opostas...
Sim, mas, quer dizer, o Martin Scorsese ligou [risos]. E aí é diferente. É um canto de cisne. É um espreitar e vou-me embora. Não é porque ele precise ou quisesse. Não. É alguém especial e uma oportunidade bonita de agarrar. Não é por ego. Espero que não. Porque as pessoas que vejo com mais idade a trabalhar, não sei, não sinto que o material que lhes esteja a ser proporcionado seja justo para aquilo que elas fizeram, para aquilo que são. Estamos a ir ver pessoas a um sítio que já não é fixe. A minha relação com a velhice… Não sei.
Time Out Market (Lisboa). Até 26 Mar. Qua-Sex 19.30. Sáb-Dom 16.30, 19.30. 20€