Temo-nos encontrado algumas vezes e em todas elas tem dito que o que lhe interessa é a cena, não tanto o virtuosismo do actor ou do texto. Quer aprofundar esta ideia?
Sim, não é o que se passa em cena, é a natureza da cena, o que é que é a cena. E portanto quando me dizem ‘ah mas tu fazes tudo, fazes isto e aquilo’, claro, porque acho que em qualquer objecto, em qualquer ideia, é possível encontrares essa natureza, o que é que se opera ali durante uma noite ou uma matiné que te permita sentires que estás a praticar uma outra forma de estar na vida. E nesse sentido que disciplina é esta do teatro, o que é que a diferencia. Podes conseguir com Shakespeare, com Gil Vicente. É temperatura.
Isso diminui a importância do texto?
Pode amplificar. Por exemplo um texto menor, um texto de que não gosto e do qual passo a gostar porque encontrou a onda hertziana certa para vibrar, um texto tem que vibrar em alguma onda.
Gosta desse desafio de fazer textos com os quais não se relaciona?
Gosto. Acho que os meus melhores espectáculos foram com textos que não é que fossem maus, mas que diziam pouco como actor ou encenador e que depois foram sempre uma surpresa. A cena tem uma inteligência diferente. É a chamada fenomenologia da cena, gosto muito de andar à volta disso.
Que cena é que vai ser esta d’A Dama das Camélias?
A Carla [Maciel] estava a fazer um mestrado, acho que em Estudos Teatrais, e andava a ler as Mitologias, do [Roland] Barthes, e ao mesmo tempo anda atrás deste tema do amor, que começou a trabalhar na sua primeira encenação com os textos do Dostoievski, onde entrei como actor. E nas Mitologias ela encontrou uma coisa sobre A Dama das Camélias, que queria muito fazer como actriz e convidou-me para encenar. E não o vamos fazer de forma canónica, há textos que o permitem, mas este romance é demasiado levezinho para o meu gosto e quando o Dumas, quatro anos depois, o transforma em peça aquilo ainda fica mais ligeiro. São cinco actos, o espectáculo vai ser longo. E nós, ao lermos, fomos aligeirando ainda mais a questão e trabalhando coisas como o grotesco, o nonsense.