Miguel Loureiro
Manuel Manso
Manuel Manso

Miguel Loureiro: "Não pertenço ao padrão ideológico dominante, e isso é sempre um problema”

Para o encenador, a natureza da cena é o valor absoluto do teatro, uma coisa meio invisível, um certo tom que se precisa de achar. Não basta ter bons textos e bons actores. A temporada do São Luiz arranca consigo, numa encenação de 'A Dama das Camélias'.

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Se há artista que não tem parado nos últimos tempos esse artista é Miguel Loureiro. Seja como actor ou encenador, para ele não há pés na água, não há descanso para bronze. A ideia de diletância, de falta de entrega total, é coisa que lhe faz um bocadinho de confusão. Em Setembro, vai encenar A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas (filho), para o São Luiz e com Carla Maciel nas vestes da airosa cortesã Marguerite Gautier. Durante o resto do ano, no Facebook, costuma atirar uns desabafos políticos que fazem muito boa gente apelidá-lo de provocatório. Para Miguelinho Loureiro, assumidamente desbocado, são apenas “uns postzinhos confessionais”. Esta é uma conversa sobre a cena, humor, trabalho e o seu gosto por enredos palacianos.

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Temo-nos encontrado algumas vezes e em todas elas tem dito que o que lhe interessa é a cena, não tanto o virtuosismo do actor ou do texto. Quer aprofundar esta ideia? 

Sim, não é o que se passa em cena, é a natureza da cena, o que é que é a cena. E portanto quando me dizem ‘ah mas tu fazes tudo, fazes isto e aquilo’, claro, porque acho que em qualquer objecto, em qualquer ideia, é possível encontrares essa natureza, o que é que se opera ali durante uma noite ou uma matiné que te permita sentires que estás a praticar uma outra forma de estar na vida. E nesse sentido que disciplina é esta do teatro, o que é que a diferencia. Podes conseguir com Shakespeare, com Gil Vicente. É temperatura. 

Isso diminui a importância do texto? 

Pode amplificar. Por exemplo um texto menor, um texto de que não gosto e do qual passo a gostar porque encontrou a onda hertziana certa para vibrar, um texto tem que vibrar em alguma onda. 

Gosta desse desafio de fazer textos com os quais não se relaciona?

Gosto. Acho que os meus melhores espectáculos foram com textos que não é que fossem maus, mas que diziam pouco como actor ou encenador e que depois foram sempre uma surpresa. A cena tem uma inteligência diferente. É a chamada fenomenologia da cena, gosto muito de andar à volta disso. 

Que cena é que vai ser esta d’A Dama das Camélias

A Carla [Maciel] estava a fazer um mestrado, acho que em Estudos Teatrais, e andava a ler as Mitologias, do [Roland] Barthes, e ao mesmo tempo anda atrás deste tema do amor, que começou a trabalhar na sua primeira encenação com os textos do Dostoievski, onde entrei como actor. E nas Mitologias ela encontrou uma coisa sobre A Dama das Camélias, que queria muito fazer como actriz e convidou-me para encenar. E não o vamos fazer de forma canónica, há textos que o permitem, mas este romance é demasiado levezinho para o meu gosto e quando o Dumas, quatro anos depois, o transforma em peça aquilo ainda fica mais ligeiro. São cinco actos, o espectáculo vai ser longo. E nós, ao lermos, fomos aligeirando ainda mais a questão e trabalhando coisas como o grotesco, o nonsense.

Mais uma vez percorre um enredo aristocrático, um cenário palaciano. O que é que lhe interessa explorar nessa zona?

É coincidência, as coisas vêm parar comigo, mas não nego que gosto, passam-se coisas mais interessantes nos palácios do que nas barracas, há muito quid pro quo, há mais detalhe porque há mais divisões, porque há mais dinheiro. A maior parte da cena portuguesa passa-se à volta das questões de justiça social, ou seja, outras pessoas trabalham bem outras áreas. Eu prefiro trabalhar os palácios. Acho que podes tocar nos mesmos assuntos de outra maneira, e é tão bom que haja diversidade. 

O Miguel não tem parado. Tem feito espectáculos em vários teatros, quer como actor, quer como encenador. Precisa de ter um ritmo meio louco de trabalho? 

Tens que trabalhar, como diria o Tchékhov, há muito trabalho para fazer. Tento potenciar ao máximo o dia e os ensaios, trabalho com um ritmo denso com os actores, quando posso 7 ou 8 horas e depois tenho outras partes do dia para ir adiantado trabalho. 

Teve férias?

Não. 

Nem costuma ter, portanto. 

Não. Claro que às vezes gostava de estar um bocadinho menos sobrecarregado, mas sabes que quando comecei não tinha tanto trabalho e também não ficava muito alegre com isso. É algo que tento integrar no meu dia, para que não seja uma violência. De manhã pagas as contas, o resto do dia dedicas ao teatro e à noite vais ao cinema, estás com os amigos, e como sou celibatário, não tenho que fazer coisas com a mulher e com o filho, ou com o namorado ou a namorada, vivo sozinho com uma cadela, percebes? Isto é mesmo assim, tens que te entregar totalmente, se não fazes uma diletância, apareces uma vez, depois ficas dois anos em casa a queixares-te que ninguém te telefona. Isso não me interessa, até porque tenho muitas coisas para afirmar.



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Percebo. 

E repara, isto é possível porque neste momento há uma conjuntura à frente dos teatros que tem confiança no meu trabalho e portanto me dá coragem para isso. O Tiago Rodrigues, a Aida Tavares, o Nuno Cardoso. Nem sempre foi assim, às vezes há pessoas que não simpatizam com a pessoa e isso tem muito que lhe diga no nosso meio, o trabalho neste tipo de disciplina é quase sempre um reflexo da tua personalidade e eu sou um tipo um bocado desbocado, porque digo o que acho e não pertenço ao padrão ideológico dominante da profissão e isso é sempre um grande problema. Mas isto é uma conjuntura, pode mudar. É claro que depois te expões muito como encenador, estás sempre sob escrutínio, mas pronto, vais ganhando umas úlceras nervosas e grande parte do dinheiro que ganhas gastas em xanax para conseguires dormir. 

Queria falar-lhe da ideia de sarcasmo…

Eu actuo normalmente, não elaboro no sarcasmo, tenho até vários problemas com o sarcasmo no humor, o chamado humor mais inteligente português, não vou dizer nomes, mas prefiro ver o Vasco Santana a escorregar na banana e a cair, gosto de um humor brejeiro, do Fernando Mendes, gosto desse humor mais básico. Acho que o humor inteligente é uma contradição. 

Em que medida?

O humor é involuntário, não tem que ser construído, o humor é sempre uma acidentalização sortuda entre ti, o tempo e o momento que te atravessa. 

Então no Facebook não fazes humor. 

Uso o Facebook para viver as pessoas. E as pessoas ali estão sem filtros, estão mais livres para escrever. Há pessoas que estão sempre a dizer: “Cheguei a Lisboa”. Who cares? Há uns que fazem notas de amor ou de pessoas que morrem, acho isso insuportável, quer dizer, porque é que eu não posso, de vez em quando, fazer um desabafo mais político? As pessoas acham que é construção, mas não é. Mas suponho que as pessoas gostem, consideram que tem graça ou assim. 

Isso é comédia. 

Para eles é, para mim é um postzinho confessional. 

Obrigado. 



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