À primeira vista esta peça é sobre novos e velhos, a ousadia dos primeiros e o conservadorismo dos outros, ou aquilo a que antigamente se chamava conflito de gerações. Mas essa é só a superfície. O que interessa realmente é o que está por detrás, isto é, as emoções, as ilusões, as frustrações, o vazio e as circunstâncias daquelas existências. Enfim, para simplificar ainda mais: o desejo, quando não comanda a vida.
Quando Anton Tchékov (1860- 1904) escreveu A Gaivota, chamou-lhe comédia, mas ninguém, desde o dia em que entregou o texto ao seu editor, no final de 1895, encontrou ali grande humor. Antes drama, quando não tragédia. Tragédia que foi a maneira como Tennessee Williams (1911-1983) a interpretou quando decidiu adaptar a peça trazendo-a para “mais perto” do público de então; um então que seria adiado por sucessivas reescritas até finalmente estrear, em 1981, já o dramaturgo era uma pálida imagem do autor de Um Eléctrico Chamado Desejo, ou A Noite da Iguana. E é também como tragédia que João Mota lê o texto de Williams adaptado de Tchékov e, em Os Apontamentos de Trigorin, conta – com Bárbara Branco, Carlos Paulo, Carlos Vieira de Almeida, Custódia Gallego, Guilherme Filipe, Hugo Franco, Igor Sampaio, Luís Garcia, Madalena Brandão, Miguel Sermão e Teresa Côrte-Real no elenco – a história do jovem Constantine, aspirante a dramaturgo revolucionário; da sua mãe castradora, talvez por razões de ego inflamado, próprias da grande e famosa actriz Arakadina que é; de seu amásio e oportunista escritor, Trigorin, e da sonhadora Nina, que o primeiro ama e o segundo utiliza, para, quando a penitente regressa, Constantin rejeitar, como aliás rejeitará a vida.
A versão de João Mota para a Comuna, seguindo no essencial a de Williams (que, a bem dizer, não é de todo a mais interessante leitura de A Gaivota), procura explorar não apenas o amor, o ódio e inveja à vist de todos, mas ir além, penetrando nos mistérios da vida interior das personagens no seu caminho para a ruína existencial. Todavia, a sua abordagem surge pálida, mortiça, os sentimentos aflorados sem a profundidade e a urgência do desespero evidente das personagens; a modos que perdidas num labirinto de desejo e contradição a que a representação não corresponde, para mais pouco ajudada pelo desenho de luz de Paulo Graça ou pelo triste cenário criado por Renato Godinho.