Palco, Teatro, Se eu fosse Nina, Carla Maciel
©Estelle ValenteSe eu fosse Nina de Rita Calçada Bastos
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Rita Calçada Bastos: “A personagem da Nina tem um eco gigante em mim”

‘Se Eu Fosse Nina’ é a nova peça de Rita Calçada Bastos, com estreia na Sala Virtual do São Luiz. Conversámos com a criadora.

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A Nina que encontramos em A Gaivota, de Anton Tchékov, e em Os Apontamentos de Trigorin, de Tennessee Williams, iluminou caminho para a nova criação da actriz e encenadora Rita Calçada Bastos. Se Eu Fosse Nina, em cena na Sala Virtual do São Luiz Teatro Municipal entre 15 e 22 de Março, é um espetáculo sobre uma personagem que é “um arquétipo da resistência, sobre o teatro, sobre a condição humana. Marca o regresso da actriz à dramaturgia e à criação, oferecendo o texto a Carla Maciel, que dá corpo a este solo interpretado e filmado no Janelão da Sala, um dos recantos pouco conhecidos do São Luiz. “É fantástico. Dá à peça uma noção de profundidade e de solidão.” Rita Calçada Bastos diz que ter feito o espectáculo num teatro vazio foi “arrepiante”, mas assinala que o mais importante, nesta fase, é garantir que o teatro “não deixe de existir”. Tal como Nina queria.

Como surgiu a ideia para fazer este espectáculo?
Este Se Eu Fosse Nina já está a querer nascer há alguns anos. Nem sempre é fácil conseguir co-produções para que os espectáculos aconteçam. A Aida Tavares [directora artística do São Luiz], conhecendo já o meu trabalho como actriz, decidiu apostar também no meu trabalho como criadora. Começou a ganhar forma aí. O texto parte da suposição de como é que eu posso salvar aquela personagem de A Gaivota, de Anton Tchékhov, que para mim é um arquétipo da resistência. Mesmo que a coisa seja difícil, nós queremos resistir e não desistir. De repente, parece que a actualidade ampliou a urgência de falar sobre estas questões. Não é só do ponto de vista da resistência no teatro e nas artes, mas também a nível da existência do ser humano. Temos aqui uma actriz que se recusa a sair do teatro. Nós não percebemos se ela não quer sair porque não quer que o teatro acabe, ou se é a personagem da Nina que não quer que ela deixe de existir, porque precisa dela para continuar a existir também. Há aqui uma reflexão sobre as diferentes camadas de manipulação de que nós próprios somos alvo, para connosco próprios. Fui buscar também a questão do metateatro, de estarmos sempre a acrescentar camadas entre a realidade e a ficção. E cruzei tudo isto com a minha biografia.

Em que sentido?
A personagem da Nina tem um eco gigante em mim. Esta condição do actor, de precisar de existir, e esta inconstância que é de três em três meses estar num projecto novo, ou não. Como é que tu continuas a existir? Como lidas com isso e como te reinventas a cada projecto?

Isso ganha ainda mais peso agora, numa altura em que a cultura está em suspenso.
Sim, claro. E depois, quando estava a escrever o texto, sabia que estava a escrever para a Carla Maciel. Às tantas a caneta já estava a escrever sozinha: conheço-a muito bem como actriz, como pessoa, portanto sabia que podia ir para todo o lado, porque ela é uma actriz muito...

Todo-o-terreno?
É. Além disso, o texto não é um texto tipicamente de teatro, no sentido em que tu não vês as personagens. É uma mulher na sua cabeça a fazer de não sei quantas pessoas que existem dentro de si. No fundo, são aquelas nossas vozes que estão sempre ali a dizer o que devemos fazer ou não. A camada entre actriz, encenadora e autora também está no texto.

A peça Os Apontamentos de Trigorin, de Tennessee Williams, escrita a partir de A Gaivota de Tchékov, tem também uma personagem chamada Nina.
Os Apontamentos de Trigorin são uma derivação de A Gaivota. Em A Gaivota percebemos que a Nina vive com o filho em Moscovo, mas no texto do Tennessee Williams ela dá o filho para adopção a umas pessoas com muito dinheiro. Há pequenas variações. Eu não abordo a personagem como eles, serviu apenas de balanço para a minha escrita. Aquilo que me interessa aqui é o arquétipo da resistência. Depois tenho pequenos trechos do texto do Tchékov para servir a minha narrativa, pois ele é extraordinário e intemporal. Ele escreve sobre a condição humana, conhecia muito bem as pessoas e toda a escrita dele reflecte muito isso. Interessa-me a condição da existência humana na sua plenitude, pois todos nós temos dúvidas sobre quem somos, para onde ir e todos nós dependemos do modo como o exterior nos olha.

Mas também acaba por ser uma reflexão sobre o teatro.
Sem dúvida. Esta coisa de uma actriz que não quer que o teatro acabe. Então, todos os dias, à mesma hora, espera que o teatro feche para fazer aquele espectáculo. Como se sabe, vamos estrear online. Ter feito este espectáculo num teatro vazio é arrepiante.

Com a transição forçada de espectáculos para o digital, muitos teatros contrataram equipas de realização para terem as peças mais bem filmadas. Tendo em conta a tua experiência, há já uma troca artística entre criadores e estas equipas?
Sem dúvida. Eu tive a sorte de ter uma equipa que veio do cinema. Eles conseguiram ler perfeitamente o que eu queria. O mais difícil para eles, sendo pessoas do cinema, é como não pôr a visão deles. Quer dizer, de alguma forma, isso é impossível – pomos sempre a nossa visão em qualquer coisa. Nunca seria o mesmo espectáculo se as pessoas o vissem na sala, sem esta mediação. Mas houve imensa preocupação em não mudar nada daquilo que caracteriza o espectáculo. Foi um encontro muito feliz.

Mais vale passar para o online do que não acontecer.
Exacto. Não há condições ideais, mas como é que contornamos a situação da forma mais positiva possível? É nisso que temos de pensar. Claro que não substituiu o teatro, de forma alguma, mas permite que ele não deixe de existir.

Sala Virtual do São Luiz Teatro Municipal. 15 a 22 de Março, disponível entre as 19.00 e as 00.00. Bilhetes a 3€ (comprar via BOL).

Conversa de palco

Desde o início de 2019 que está à frente da Rua das Gaivotas 6, espaço do Teatro Praga, uma casa que tem por hábito dar carta-branca aos artistas que por lá passam. Pedro Barreiro é daquelas pessoas com quem dá gosto debater ideias. Não hesita em meter o dedo na ferida, seja ela qual for. E, por estes dias de quarentena, já prometeu que não vai cortar a barba nem cortar o cabelo, pelo menos até poder sair à rua. É dos que considera que as artes performativas não podem, a longo prazo, prosseguir online.

O ciclo Este é o Meu Corpo reúne os sete emblemáticos solos de Mónica Calle. São 30 anos de vida e de trabalho redescobertos e actualizados, num gesto de afirmação e resistência em que a actriz, criadora e fundadora do grupo de teatro Casa Conveniente regressa à palavra, através do seu corpo e com Dulce Maria Cardoso, Rimbaud, Samuel Beckett, Henry Miller ou Al Berto, e à pergunta que sempre lhe serviu de bússola: como se continua? “Gostava que isto me permitisse abrir um novo ciclo e encontrar algumas respostas. Agora vou confrontar-me com muitas outras coisas.”

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Tiago Rodrigues acaba de ser reconduzido para um terceiro mandato como director artístico do Teatro Nacional Dona Maria II. Este é o resumo possível de uma conversa longa e sem grande guião, mediada pelo ecrã como todo o teatro possível por estes dias. Uma sessão de zoom em que o Prémio Pessoa 2019 fala de política cultural e de intervenção cívica, da cegueira e da lucidez adiada, de Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, de tudo o que a pandemia ameaça matar e da explosão criativa que já estamos a viver à conta dela.

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