Manuel Manso
Manuel Manso

Susana Menezes: "Aprendemos sempre mais pelo amor"

A directora artística do novo teatro LU.CA (aberto desde Junho na Calçada da Ajuda) acredita que é pelo sentimento que as crianças aprendem. Uma conversa sobre teatro infantojuvenil.

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Liderou a programação infantojuvenil do Maria Matos durante quase doze anos. A sua abordagem mudou o jogo do teatro para crianças e jovens em Lisboa a tal ponto que agora lhe deram o renovado Teatro Luís de Camões, ou LU.CA, entre a Ajuda e Belém, inaugurado no Dia Mundial da Criança. É seguramente um caso raro uma cidade em Portugal ter um teatro cuja programação é toda vocacionada para crianças e jovens. Susana Menezes, que começou no Teatro do Campo Alegre, no Porto, em 2001, é a mulher que lhe vai traçar os destinos. Uma conversa sobre miúdos, para gente grande. 

Quando disse a um amigo que a vinha entrevistar ele recordou uma criança a quem uma vez ouviu dizer: “Só me dão livros que ensinam coisas”. Diria que a imposição, para um público jovem, pode ser o princípio do erro? 

Essa frase é maravilhosa. Há coisas que sabemos que temos de passar às crianças, conhecimento, mas também valores, o legado do adulto que tem de educar a criança para que ela tenha ferramentas para ser feliz. Isto de uma forma mais genérica. Depois em relação à programação artística para as crianças há espaço para muitas coisas, e também para que elas sejam didáticas. 

Como por exemplo?

Há pouco tempo comecei a fazer uma colecção de miniconferências sobre assuntos quentes, com os quais nós adultos nos estamos a cruzar repetidamente. Elas não só reproduzem um modelo de conferência, para que as crianças entendam o que é uma conferência, como são a melhor forma de explicar um assunto a uma comunidade.

Há lugar para todas as coisas. 

Exacto. Como uma refeição: é importante comer sopa, depois o prato, e não quer dizer que não haja doce, mas é importante que haja fruta. A grande questão é se temos os mecanismos certos para fazer com isto chegue às crianças.

Para fazer com que goste de sopa.

Para fazer com que a criança se envolva com esse assunto e até alinhe. Nós aprendemos muito mais através dos sentimentos. Tudo o que é imposto, normalmente encontra no outro uma ameaça. E quando ameaçados não estamos tão disponíveis. Aprendemos sempre mais pelo amor. Quando gostamos de uma professora aprendemos mais facilmente.

Recuemos um bocado. Começou em 2001, no Teatro do Campo Alegre, no Porto.

Nem sequer tinha trinta anos, tinha uma corrente de ar permanente na minha cabeça e uma grande vontade de correr riscos. Com uns amigos organizávamos uns recitais de poesia, o Teatro do Campo Alegre estava a começar e convidou-nos. Na altura, mesmo para fazer recitais uma pessoa tinha de entregar o curriculum. Já fazia oficinas em bairros, organizava recitais de poesia com amigos, dava aulas, fazia vozes para desenhos animados, era assim uma miúda muito activa, a querer descobrir coisas. Por saberem esse meu curriculum perguntaram-me se gostava de abrir um departamento infantojuvenil no Teatro do Campo Alegre. Portugal tinha na altura uma grande referência e única, que era o CPA, programado pela Madalena Victorino.

O que respondeu?

“Agora tenho de ir para Marrocos, de carro, com uma amiga, já está combinado, e depois vou produzir um documento a dizer-vos o que acha que posso ser. Se acharem que é isto tudo bem, se não não sou a pessoa certa”.

O que dizia o documento?

Dizia que havia três áreas importantes de explorar: o teatro/dança, a música e as artes plásticas. Acreditava que assim era possível criar algumas pontes com outros programadores e era algo muito refrescante porque não havia quase nada do género. Cresceu mais depressa do que imaginava.

Apontaria a esses três vectores se tivesse que fazer um documento do género hoje?

Ahhh, não. Não é que não lá estivessem, mas pensaria noutras coisas. Na altura não sabia o que sei hoje, nem não sabia o que não sabia.

Dizia que à época existia o CPA, da Madalena Victorino, e pouco mais. O que é que mudou?

Olha, quando começam a aparecer os teatros municipais nas capitais de distrito, no início dos anos 2000, era essencial que se formassem públicos, formação é mesmo construção, promover alguma regularidade e relação, nomeadamente no trabalho com as escolas. Formar públicos não era só proporcionar-lhes uma colecção de propostas que lhes apurasse o sentido crítico, era efectivamente aproximar as pessoas de um espaço que é fechado. Os teatros são espaços públicos.

Mas bastante fechados em si.

Sim, as salas não têm janelas, entramos directos para o escuro, era preciso mostrar o que havia dentro destes equipamentos. Depois também se percebeu que era necessário que estas pessoas que estavam nos serviços educativos deixassem de ser técnicos, mas que tinham de estar dotados de conhecimento e de tempo para investigar e dedicar-se mais a estas áreas.

Portanto, o trabalho com os pais, com as famílias, é fundamental.

Sim, com os adultos, é sempre um adulto, um pai, um professor, um tio, um amigo mais velho, que decide se a criança vai ao teatro. E repara, há uns cinquenta anos uma notícia sobre crianças vinha minúscula na última página de um jornal, hoje as crianças estão na ordem do dia, há uma maior preocupação sobre o que é o nosso futuro. Isso mudou bastante, é por isso que as crianças têm hoje muito mais propostas.

Centremo-nos em Lisboa. Reconhece a importância do trabalho feito por si, pela equipa do Maria Matos e que, presumo, com um grande apoio do Mark Deputter, enquanto agente de mudança da forma como se olhava o teatro e a programação infantojuvenil? 

Acho que os projectos precisam de tempo. Nenhum projecto artístico pode crescer sem espaço para isso, e isso não é autonomia financeira, é também a confiança depositada nessa pessoa, permitir que ela possa tomar as suas decisões em função dos seus conhecimentos e crenças. Algo que aconteceu muito com o Mark, ele sempre me respeitou imenso, sempre me deu espaço. Isso mais o facto de termos estado um determinado número de pessoas, no mesmo sítio, ao mesmo tempo, a olhar na mesma direcção, a falar na mesma língua, fez com que o Maria Matos tivesse crescido e encontrado um lugar particular em Lisboa. Apoiava a criação emergente, procurava novos enunciados e por isso também outras e novas respostas. 

Mas admite que isso contaminou o resto da cidade. 

É possível que tenha contaminado, acredito que possa ter mudado algumas coisas, acho que hoje há mais investimento, rigor, a prova disso é que as criações para crianças já começam a internacionalizar-se. 

Faço a pergunta de outra maneira: este LU.CA tinha acontecido sem esse trabalho do Maria Matos? 

Francamente...acho que não desta forma. O Conselho de Administração da EGEAC e a Vereadora da Cultura sabia que se abrisse um concurso eu iria concorrer. E por isso, isto é uma luta longa, o projecto estava a crescer, precisávamos de um espaço, já não cabia, a partir de certa altura seria apenas retrocesso.

Não é muito comum esta ideia de um teatro abrir portas em Junho.

A ideia de abrir em Junho foi uma proposta da vereação da cultura e do conselho de administração da EGEAC para o Dia Mundial da Criança. De repente é aliciante pensar que podes, porque tens um espaço, fazer um projecto que achas que pode pontuar esse dia. O teatro estava pronto e a Catarina [Vaz Pinto] queria muito que fosse nesse dia.

E serve um bocado uma ideia de em Junho dizer “olhem que estamos aqui, voltamos a falar em Setembro”.

Sim e havia um ciclo que queria começar a fazer chamado Dez Espectáculos de Dez Anos de Programação para Crianças do Maria Matos e queria que isto acontecesse até ao Natal. Nesse sentido foi bom, mas sobretudo foi um grande desafio da vereadora para abrir no Dia Mundial da Criança.

Posso perguntar com quanto tempo?

Não.

Pode falar-me do que se vai passar a partir de Setembro?

Claro. Estou sempre à procura das pessoas que têm um trabalho artístico justo, que são pessoas desassossegadas, que procuram outras respostas para algumas questões, a pergunta aguça o engenho. E são pessoas que ao mesmo tempo têm características pessoais que as permitem trabalhar para este público, ou seja, têm de ter uma grande dose de generosidade, para compreender o outro e para, de algum modo, haver uma parte de si que serve esta causa, que faz com que o seu trabalho chegue ali. Se for demasiado encriptado nós não nos conseguimos realizar e para as crianças isso é mais difícil.

Já têm dia de abertura?

Sim, dia 8. A apresentação da programação vai ser feita com um concerto que ainda estamos a fechar e um DJ set do Pedro Ramos. As bilheteiras vão estar abertas para que se possa comprar logo bilhetes ou para se saber mais sobre os espectáculo. Mas é em tom de festa, não é…

...em tom de conferência.

Foste tu que disseste, não fui eu. Isso vai acontecer dia 8. Vamos continuar com este ciclo do Maria Matos e dia 15 de Setembro estreia o primeiro espectáculo feito de raíz para este espaço que é um texto encomendado ao Alex Cassal, a partir de um quadro de Rousseau, onde a ideia é usar toda a maquinaria do teatro, há coisas que podem descer e subir, aparecer de lado. Coisas que são só possíveis quando tens um teatro à séria como este. É isso que vamos mostrar às crianças, que também há teatros assim.

E o que podes revelar mais?

Vamos fazer um ciclo dedicado à obra da Catarina Sobral, uma reposição do Impossível, que estreou no Maria Matos. Isto tudo em Outubro, onde também vamos apresentar o filme da Catarina Sobral e lançar um livro sobre o espectáculo, além de uma instalação no entrepiso. Depois vamos repor as mini-conferências sobre a utopia e sobre o racismo, repor um espectáculo do João Fazenda. Vamos estrear um espectáculo da Caroline Bergeron, que antes de vir para cá trabalhou muitos anos com os Tof Theatre, que, como sabes, tem um trabalho espectacular em marionetas e ela vai finalmente encenar um espetáculo de marionetas, em Dezembro.

Portanto, o LU.CA vai ter muito mais do que teatro.

Sim, já desenhei três serviços educativos, e neste caso temos uma sala de espectáculo e temos um edifício e, portanto, este edifício, além da função nuclear que é ser um espaço de apresentação, terá também um outro, paralelo, ao nível das outras linguagens artísticas. O LU.CA deve ser activo, dinâmico e deve contar com a influência do exterior.

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