A relação de Vila Nova de Gaia com a arte não é de agora. Foi do outro lado do Douro que surgiram grandes nomes da arte portuguesa, como os escultores Teixeira Lopes e Soares dos Reis. Foi em Gaia, também, que nasceu há mais de 30 anos a Artistas de Gaia, “a maior organização do país só de artistas, com mais de 600 sócios”, afirma Agostinho Santos, presidente da direcção e director artístico desta bienal.
Fazer uma bienal de arte em Gaia era um sonho antigo, tanto quanto a pretensão de elevá-la a “cidade das artes” para, simultaneamente, celebrar a riqueza do passado e mostrar a fervilhante produção artística do presente. Em 2015, uma parceria entre os Artistas de Gaia e a Câmara Municipal de Gaia permitiu encontrar um lugar para fazer chegar a arte do concelho e da região a um público mais alargado. À terceira edição, o evento quer afirmar-se como um marco do calendário cultural com um programa vasto e interdisciplinar. Além das 15 exposições patentes em Vila Nova de Gaia, haverá outras sete em pólos expositivos situados em Alfândega da Fé, Braga, Estremoz, Gondomar, Monção, Seia e Viana do Castelo. “Estamos aqui sediados, mas achamos que a arte não pode ter muros”, nota Agostinho Santos. Pela primeira vez, a Bienal Internacional de Arte de Gaia sai do país com uma extensão a Vigo.
A partir de quarta 24, e até 20 de Julho, todos os caminhos vão dar à Quinta da Fiação, antiga fábrica têxtil que está a ser recuperada em Lever. O edifício, situado a 15 minutos do centro de Gaia, foi escolhido como núcleo central do evento numa “atitude intencional de descentralização". À excepção das mostras Artistas Convidados e Missio/Missão, que ocuparão a Casa Museu Teixeira Lopes e o Mosteiro de São Salvador de Grijó, respectivamente, o programa estará ali concentrado.
Esta edição da bienal – normalmente agendada para o Verão –, inaugura mais cedo este ano, não só para celebrar os 45 anos do 25 de Abril, mas também para promover um maior contacto com a comunidade escolar e apostar nas visitas guiadas. Apesar do crescimento que se tem verificado a nível de iniciativas e público – em 2017 recebeu mais de 60 mil visitas, quase o dobro das 35 mil da primeira edição –, a Bienal de Gaia continua fiel a si própria. Define-se como uma “bienal de causas” que vê a arte como uma “arma de intervenção social e que quer contribuir para a reflexão colectiva”. “Desafiámos os nossos artistas a criar tendo em conta o que se passa à nossa volta”, conta Agostinho Santos. A guerra, a crise dos refugiados, a pobreza, o abuso do poder e o papel da mulher na sociedade são algumas das questões abordadas. A intenção de “agitar consciências” traduz-se, por exemplo, na realização de duas exposições que juntam artistas e mulheres da política portuguesa. Mulheres e Cidadania conta com curadoria de Mirene e de Manuela Aguiar, ex-secretária de Estado da Emigração, enquanto Paz e Refugiados tem curadoria de Luísa Prior e de Ilda Figueiredo, vereadora do CDU na Câmara Municipal do Porto.
Abril é sinónimo de liberdade, pretexto ideal para abordar este direito imprescindível ao exercício da arte. Para a exposição Livre Mente, o jornalista e escritor Sérgio Almeida convidou vários escritores portugueses a expressarem-se através de disciplinas como o desenho, a pintura, a escultura, a fotografia ou a instalação. “Queremos pôr a arte a dialogar com outras expressões artísticas e começamos pela literatura”, revela Agostinho Santos. Ainda na linha das exposições temáticas, Territórios do Vinho tem curadoria de Manuel Novaes Cabral, ex-director do Instituto do Vinho do Porto, e reúne obras de nomes como Albuquerque Mendes, Álvaro Siza ou Júlio Resende. A habitual exposição antológica homenageia este ano o escultor gondomarense Zulmiro de Carvalho, incontornável nome da arte contemporânea portuguesa “representado em museus como a Gulbenkian e Serralves e com obra em todo o mundo”, nota o director da bienal. Este reconhecimento estende-se ao prémio Zulmiro de Carvalho/Câmara Municipal de Gondomar, no valor de 5000 euros, que vai distinguir uma obra de escultura.
Desempacotar a Cultura é a única exposição individual e é assinada pela pintora Maria do Carmo Vieira. A artista foi desafiada a retratar ilustres figuras da cultura portuguesa em pacotes de leite vazios. José Saramago e Sophia de Mello Breyner são alguns dos rostos evocados neste trabalho. Ao longo de três meses, aquela que é uma das maiores manifestações de arte do norte do país vai pôr Gaia e arredores a mexer. Pode fugir mas não se pode esconder – se não for ao encontro da arte, ela irá certamente encontrá-lo.