Quem te vê assim de fato nem imagina que foste expulso de todas as escolas que frequentaste.
A escola não era o meu ambiente, não. Fui expulso de todas até que a minha mãe [Luísa Castel-Branco] desistiu e me arranjou um trabalho como inspector publicitário. Tudo o que eu tinha de fazer era ver em que ordem apareciam os anúncios e se as pessoas estavam sentadas na sala de cinema. Passei seis meses da minha vida a ver cinema o dia inteiro. Talvez tenha sido aí que começou o meu gosto pelo storytelling.
Depois disso o que é que aconteceu?
A minha mãe obrigou-me a tirar um curso profissional de marketing e assim que o terminei fui trabalhar para uma agência de marketing desportivo. Já viste o filme O Diabo veste Prada? Essa era minha chefe. Era estagiário e de manhã tinha sempre um monte de fotocópias para tirar. Um dia, ela pediu-me uma opinião e, como eu lia todas as fotocópias, tinha todas as referências. Ela ficou surpreendida e quando abriu uma empresa nova, levou-me.
Foste responsável por uma campanha da Yorn que deu muito que falar há uns anos.
Na Yorn valia tudo. Em 1999 ou 2000, eles tinham uma loja no Chiado e eu tive uma ideia: à malta que aparecesse toda nua, nós ofereceríamos a roupa toda. Isto aconteceu numa era pré-redes sociais e, ainda assim, o Jay Leno, na semana seguinte, abriu o programa a falar daquilo. Como achávamos que não ia aparecer ninguém, contratei dez miúdos para se despirem. No dia, ligam-me a dizer que não conseguiam entrar na rua porque estavam 1500 pessoas em fila. Ganhámos imensos prémios com isso. Eu era o tipo das ideias estúpidas que, estranhamente, funcionavam.
Também mudaste o aspecto dos festivais de Verão...
Eu acho que estraguei os festivais de Verão. Antes da Action4 [empresa fundada por Gonçalo], os festivais de Verão eram sobre música. Nós começámos o processo de os transformar em feiras populares. Tornámos os festivais muito atractivos para as marcas. A culpa é totalmente nossa e eu peço-vos desculpa por isso.
Não te revês nos festivais de hoje?
Hoje em dia há muita gente, muita marca, muito barulho. Aliás, o festival que estamos a lançar só vai ter 1500 bilhetes à venda.
O Chef’s on fire?
Sim, um festival de música e comida [que aconteceu no dia 23 de Setembro em Cascais]. Hoje em dia tens dois tipos de festival. O festival de música onde se come mal. E depois tens os festivais de comida que são feitos para o circuito da gastronomia, muito fechados. Há um buraco gigante entre os dois. Quisemos criar um festival que juntasse essas duas coisas. E qual é a chave para fazer boa comida num festival? É não fazeres 40 mil refeições num dia. Se pedires ao Vasco Coelho Santos para cozinhar 30 mil refeições, vai ficar tudo uma merda. Mas se lhe disseres que só tem de fazer mil doses, então aí vai fazer um atum cozinhado debaixo da terra durante 12 horas. Vamos ter um buraco no chão com 90 metros, enchê-lo de lenha e pôr os chefs a cozinhar a noite inteira só com o fogo. O Pedro Lemos também vai lá estar.
Também enveredaste pela política e participaste na campanha do Obama.
Sim, sou apaixonado pela política americana. Quando apareceu o Obama, comecei a ver os seus discursos como senador e fiquei encantado. Na altura, eu era responsável de comunicação digital do Governo (por causa deste meu trabalho com jovens e com festivais, comecei a ser abordado por políticos portugueses, nomeadamente o Pedro Passos Coelho), e decidi largar tudo para ser voluntário na campanha do Obama. A minha ideia era ir servir cafés.
E o que é que aconteceu?
Assim que aterro em Charlotte, na Carolina do Norte, nos EUA, recebo um email a dizer que a minha inscrição na convenção tinha sido recusada. Fui trabalhar para um lobby de hotel e um tipo senta-se ao meu lado. Era o gajo que decidia a quem a McDonald’s dava dinheiro. Pergunta-me de onde sou e explico-lhe o que tinha acontecido. No fim, dá-me um cartão e diz: ‘Liga-me daqui a uma hora.’ Entrámos juntos, com ele sempre a fazer-me perguntas e apresentar-me a todos os governadores que vinham falar com ele: ‘Ele é português e percebe mais de política americana do que muita gente que aqui está’, dizia. Mais tarde encontro uma amiga que me diz que tem um comboio e me pergunta se quero ir com ela para Washington. 24 horas depois de aterrar e sem conhecer ninguém, estou a atravessar o país numa das carruagens de comboio privadas mais luxuosas do mundo, com a Kelly, que encontrei por acaso, e o Jimmy, o tipo da McDonald’s que me arranjou casa de borla durante três meses na rua da Casa Branca, me pôs a trabalhar na campanha, e que, à noite, me levou a jantar com o mayor de Washington.
Foi aí que surgiu a tua paixão por comboios?
Sim, fui ao Museu Nacional Ferroviário, no Entroncamento, à procura de um comboio para pôr uma série de músicos lá dentro a percorrer o país. Até que vi o presidencial. Uma coisa mágica, uma espécie de Expresso do Oriente. Pedi 24 horas à directora para pensar numa ideia e esta partiu da minha filha ao jantar: ‘Porque não um restaurante?’. Quando acordei no dia seguinte tinha tudo estruturado. Tinha de ser no Douro e com o Vila Joya e dediquei uns meses a convencer o museu, a CP, e o Vila Joya de que eu não era maluco e que aquilo podia ser feito. E assim, em 2016, fizemos o Vila Joya Douro, que mais tarde se passou a chamar-se The Presidential.
Qual foi o maior desafio em todo este projecto?
O desafio de produção foi muito difícil. O comboio é de 1890, não tem electricidade, não podes usar fogo, não podes usar gás, não tens ar condicionado e as cozinhas não têm espaço nem para servir dez pessoas, e estão sempre a abanar, por causa do andamento. Tivemos de agarrar num comboio onde não podes fazer quase nada e construir uma cozinha para chefs com estrelas Michelin. Começámos com o Koschina e a partir daí os outros começaram a aceitar também.
O que é que acontece a bordo?
O The Presidential é puxado por uma locomotiva a diesel e só levamos 64 pessoas de cada vez. Costumo dizer que é uma espécie de Disneyland para adultos, onde é suposto sentires que durante nove horas alguém pensou em tudo para ti. Tudo foi premeditado, desde o cheiro do comboio, que foi criado pela Castelbel exclusivamente para ele, à banda sonora desenhada pela Casa da Música. Há uma música com um sentimento muito próprio para quando o comboio se encontra com o rio pela primeira vez. E, depois, está tudo pensado de uma forma muito teatral. De 20 em 20 minutos há sempre alguma coisa a acontecer. À ida tens um chef Michelin a cozinhar para ti e os melhores vinhos da Niepoort e quando regressas há um pianista a tocar música ao vivo, passado um bocado sentes o cheiro a scones acabados de fazer, paramos na Régua e entram as senhoras a oferecerem-te caramelos... Está tudo pensado para te fazer feliz.
Também visitam a Quinta do Vesúvio...
Quando comecei a planear esta viagem, queria uma quinta autêntica, que representasse o que era fazer vinho no Douro. A Quinta do Vesúvio é uma quinta do século XVI, com uma história incrível. Passou por várias famílias da Symington e tem um romantismo muito parecido com o do comboio. Faz vinho 100% manual e não está aberta ao público, por isso, estarmos lá é um luxo, é uma honra.
O preço da viagem é elevado. Quanto é que custa pôr uma máquina destas em funcionamento?
Sim, a viagem custa 500€. Mas a verdade é que em cada 500 euros, eu tenho 350 euros de custos com o comboio. O que custa são as manutenções, as inspecções, os seguros, a gasolina, o ter que o levar para a linha. Dedicámo-nos durante três anos a torná-lo um sucesso. Em 2017, ganhou o prémio de melhor evento do mundo [Best Event Award] e está na lista dos dez melhores comboios do mundo em várias publicações, mas até hoje não nunca deu 1€ de lucro.
Há mais comboios que queiras pôr em linha?
Estamos a investir num segundo comboio, que espero que esteja pronto no próximo ano. Vai ser dentro do mesmo género, também vai andar pela linha do Douro, mas não só, a ideia é que vá também ao Alentejo, por exemplo. Vai ser mais barato mas igualmente bom, para que os portugueses também possam ir.