Adrian Bridge
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Adrian Bridge: “Se olharmos para a transformação da última década, tudo é possível”

Ao fim de praticamente três décadas no Porto, Adrian Bridge pode gabar-se de ter ajudado a construir o que a cidade é hoje – uma capital vínica cada vez mais apetecível para viajantes provenientes dos quatro cantos do mundo.

Mauro Gonçalves
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Depois do vinho do Porto, a hotelaria. Depois da hotelaria, a cultura. Adrian Bridge, empresário britânico que assentou arraiais no “nosso país” em 1994, tem bem presente o natural desenrolar do progresso de uma cidade. Esta, em particular, tornou-se porta de entrada para algumas das mais ricas regiões e sub-regiões vitivinícolas de Portugal. Vive em Gaia – com a mais privilegiada das vistas sobre os patamares da arquitectura portuense –, onde ergueu um império com o selo Fladgate: o The Yeatman, um cinco estrelas inaugurado em 2010, imerso em mais de um século de história do vinho do Porto, e o World of Wine (WOW), um complexo de museus, bares, lojas e restaurantes nos antigos armazéns da Taylor’s. Ao mesmo tempo que fala de exportações e de posicionamento de marca, Adrian mede o pulso à cidade e antecipa tendências – distâncias encurtadas pela rede de transportes, mais cultura e um território com muitos centros.

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Lembra-se da primeira vez que esteve no Porto?
1982. Foi depois da Páscoa. Acho que no fim de Abril, em 1982. Conheci a Natasha, que é a minha esposa agora, no dia 12 de Março e, depois de seis semanas, convidou-me para visitar a casa dela, com os pais. Foi por isso que vim. Mas naquela altura, o Porto era muito diferente do que é hoje. Era muito mais pequeno. Mas do que me lembro melhor – não é os edifícios, que continuam cá – é dos cheiros e dos barulhos, das senhoras a vender o peixe na Ribeira. É disso que me lembro bem.

E que impacto é que a cidade teve em si nessa altura?
Bem, convenceu-me a casar com esta senhora e a vir para Portugal. Diria que foi um impacto enorme. Ainda demorámos sete anos a casar, porque estive no exército e só depois é que casámos. Desde 1994 tem sido uma transformação enorme. No início dos anos 90, ainda era terceiro mundo, mas na Europa. A realidade de Portugal naquela altura era a de um país relativamente pobre, um país em grande transformação. Só em 1993 é que ficou feita a ligação entre Lisboa e Porto, as duas principais cidades, por auto-estrada. Lembro-me de ir ao Douro, em 1989, e de ainda se usarem aqueles ferros de engomar com brasas lá dentro. Saí de Londres, cheguei cá e deparei-me com uma senhora a passar a ferro assim. Era um mundo completamente diferente, mas era um mundo em transformação e obviamente essa transformação acelerou muito.

Quando lançámos o The Yeatman, toda a gente dizia que o Adrian devia estar completamente maluco. Provavelmente, até tinham razão. Na altura, o Porto não era um destino de lazer, era um destino de negócios. A melhor taxa de ocupação era em Abril e Outubro, na fase de apresentações dos lucros do ano e na fase de planeamento do orçamento do ano seguinte. E nós conseguimos construir um destino de lazer. Obviamente com o trabalho da nossa equipa de marketing e de relações públicas em nove países. Em 2008, começámos a semear nesses mercados, digamos. Lembra-se de quando tivemos uma página inteira sobre o Porto no The New York Times, em 2012? Isso foi fruto de três contactos com um jornalista – um em Nova Iorque, um cá e outro em Los Angeles, na casa dele. Chamámos a atenção para o mercado nacional. E se o The New York Times fala do Porto, o Porto torna-se falado. Nos últimos dez anos, o que fez a diferença na nossa cidade é a confiança. Quando na altura falava com as pessoas sobre o The Yeatman, diziam: "O Adrian é maluco". Diziam-me: "Não faças isso. Isto é só o Porto, não podes praticar esses preços". Agora, as mesmas pessoas olham e dizem que é um sucesso. Nós não construímos a vista, construímos o hotel e o nível de confiança, que neste momento é alto. Por isso é que as pessoas investem, abrem restaurantes. Isto aconteceu na Baixa, há 15 ou 20 anos. Ninguém ia para as Galerias de Paris. Para a Rua das Flores? Nem pensar, nem há dez anos. Acho que lançámos uma pedra e o efeito foi de bola de neve. A bola cresceu rápido e, em 13 anos, tornou-se auto-sustentável.

Já não é "só o Porto".
Não, já ninguém diz isso. As pessoas já estão preparadas para investir em Gaia – já não é só o Porto. E muitos investem cá por causa do WOW, que nasceu para a cidade, não é para Gaia ou para os hóspedes dos meus hotéis. É para a cidade. E lembre-se que, quando começamos este projecto, metade dos armazéns de vinho do Porto estavam abandonados, muitos em colapso. Agora não, há investimento e reconstrução. E isso traz mais gente, mais movimento, mais sucesso, mais restaurantes, mais actividades, mais eventos culturais.

Tudo praticamente alavancado pelo turismo.
Bem, sim e não. Quando falo de confiança, numa fase inicial, não é a confiança do turismo, é a confiança dos locais, que são donos destes edifícios, que investiram para abrir restaurantes. Há pessoas que chegaram cedo, o Ricardo [Graça Moura], com o Flow, é um exemplo disso. É preciso coragem, mas esta coragem vem do facto de terem amigos que confiam neles e depois é um ciclo positivo. E depois sim, vêm mais pessoas, mais turistas, mais travellers. Para mim, há uma diferença entre o turista e o traveller. O turista vem para usufruir mas não se envolve. O traveller tem uma interacção. E agora temos muitos travellers, não só porque os jovens procuram mais esse tipo de experiência, mas também porque os asiáticos tendem a procurar muito isso. Querem aprender, querem interagir, querem viver a cidade.

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Do que tem vindo a observar, esses travellers chegam conscientes de que existe esta relação tão forte entre a cidade e o vinho?
Inicialmente, construímos o The Yeatmen numa lógica de: temos 30 mil noites para vender e parece que é possível arranjar 30 mil pessoas apaixonadas por vinho do Porto. Obviamente, agora falamos de milhões de pessoas. Umas têm essa motivação, outras não. O nosso desafio estratégico continua a ser a noite média, que neste momento anda entre 2,7 e 2,8. Realisticamente, precisamos de chegar aos 3,4. É a única maneira que temos de absorver a oferta dos novos hotéis.

Esse trabalho foi, em parte, feito por si. Diria que conseguiu ver o potencial do Porto quando mais ninguém via?
Nunca tive aquele pensamento de: "É só o Porto" ou "Portugal é tão pequenino". Portugal sempre esteve cheio de potencial, no turismo e noutras coisas. Estamos na área do vinho do Porto, que é conhecido mundialmente pela qualidade e onde, nos últimos 20 anos, duplicámos o número de mercados para onde exportamos. Ou seja, quando vim para cá em 1994, vendíamos vinho do Porto para 47 países. Agora, são 103. Portugal pode concorrer directamente no topo, por isso é que os nossos projectos são sempre pensados para ter qualidade mundial. O Museu Atkinson, por exemplo. Tem as melhores condições museológicas no país, neste momento. Por isso é que podemos receber colecções da Tate Modern. Imagine, há 20 anos, alguém dizer que um museu português podia receber obras da Tate Modern. Era impensável. Agora, no Porto, é possível. Há esta questão da concorrência entre Lisboa e Porto, mas são cidades completamente diferentes e isso é fantástico para o nosso país, sobretudo por sermos relativamente pequenos – 800 por 200. Lisboa está a apenas 300 quilómetros. Lisboa parece uma cidade no mar, com o Tejo ali tão vasto. Nós, não. Estamos concentrados num rio pequeno e com duas margens. E quando tivermos o metro pronto, vamos ficar ainda mais ligados – o centro da cidade, Matosinhos, a Praia da Madalena.

De volta ao vinho, e assumindo que o vinho do Porto é o carro-chefe do comércio da Fladgate, existe margem para esta fama catapultar também também os vinhos de mesa nacionais, em particular das regiões que circundam o Porto?
Sim. E é por isso que consideramos esta cidade a capital dos vinhos portugueses. Daqui a uma hora, uma hora e meia, estamos na Bairrada, no Alto Minho e estamos no Douro, seja com vinho da mesa, seja com vinho do Porto. Bem, e temos as Beiras, o Dão, também podemos chegar lá. É a capital do vinho e para nós o fruto desta expansão é a globalização. Há mais gente com dinheiro, com capacidade de comprar vinhos de qualidade e que quer comprá-los também por ser sinal de um certo estilo de vida. A diferença é que, no vinho de mesa, ainda temos alguns produtores com a cabeça muito fechada, que chegam a um restaurante, vêem um concorrente e dizem: "Por favor, tire este vinho e coloque o meu". Porquê? Em vez de perguntar se precisa de mais opções, porque o cliente que experimentar um pode também provar o outro. Mas há muita gente que não pensa desta maneira. O futuro passa por ter confiança no próprio produto e por fazê-lo com qualidade suficiente para angariar clientes. Não é a construir um negócio de maneira negativa.

As pessoas hoje em dia bebem menos, mas bebem com mais qualidade. Experimentam. Ninguém pense que o vinho do Porto é só uma maneira de beber uma coisa doce com 20 graus de álcool. Pense em beber uma fruta de uma região com séculos de história e com gostos completamente diferentes. Este é o sonho que as pessoas querem, não é só álcool.

E isso é aplicável também aos vinhos de mesa portugueses?
O vinho de Porto faz um caminho, os vinhos correntes fazem outro. Investimos recentemente em vinhos de mesa, especialmente num Loureiro fantástico, da Beirada. Temos várias marcas agora – o Milagres, do Alto Minho. São vinhos espectaculares, com os quais se passa a concorrer mundialmente. Temos de nos lembrar que temos este potencial.

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Estamos no WOW, o último grande projecto da Fladgate, pelo menos dos mais visíveis. Qual será o próximo?
Bom, vamos abrir um hotel perto do rio chamado Bearsley. Queremos que seja o primeiro hotel de luxo com neutralidade carbónica no país. E este vai ter uma nova tecnologia de distribuição de electricidade, que reduz o consumo entre 40% e 50%. O objectivo é abrir na Páscoa de 2026.

Quando estiver de pé, será a menina dos olhos da Fladgate, ou essa vai ser sempre o The Yeatman?
Queremos apresentar o irmão do The Yeatman. Mas este vai contar uma história diferente. Aquela tem a ver com o vinho e esta vai estar ligada à cidade do Porto, com um storytelling em torno dos Descobrimentos, as influências asiáticas, brasileiras e da África do Norte, isto na arquitectura e na decoração.

Não tem medo que o crescimento da cidade apague ou torne menos visível essa história?
Uma das coisas mais ricas da nossa cidade é a arquitectura, mas porque tem patamares de arquitectura uns em cima dos outros. Tem período romano, tem período bizantino, tem Art Nouveau, agora arquitectura moderna. Tem tudo misturado. E esta panóplia visual é incrível, mas também fala de fases da nossa evolução, de influências, viagens. E há muita gente que não entende a riqueza desta história. Então, é preciso contá-la. Como o The Yeatman com a família Yeatman, como este quarteirão cultural nos antigos armazéns do vinho. São projectos com um nível de autenticidade importante. Acho que o consumidor também aprecia isto. Na altura pensámos em fazer do Atkinson um hotel, mas optámos por fazer um museu. Um projecto como este [WOW] demora mais tempo a construir, mas quando está construído tem muito mais impacto do que um hotel. Porque tem restaurantes, bares, experiências, lojas, tem tudo. E tem muito mais potencial do que um hotel, mas do ponto de vista da facturação demora tempo. Moro aqui desde o início, sou um histórico de Gaia. Tenho esta vista em casa. Esta é a nossa aldeia e é um enriquecimento da cidade, do Porto, do Grande Porto, de Aveiro a Vigo. Se um destino é só hotéis, hotéis, hotéis... Nós só precisamos de alojamento se houver motivos para ir para o local. O novo Túnel do Marão é uma faca de dois gumes para o Douro. Numa hora e meia estamos no Pinhão. Porque passa a ser possível chegar lá, visitar uma quinta ou duas, almoçar, visitar mais uma quinta e voltar para a cidade. Já não precisa de hotéis no Douro.

Como é que vê o Porto daqui a dez anos?
A cidade é cada vez mais pequena. E isto resulta do melhoramento do sistema de transportes. E assume-se cada vez mais como cidade. Já o é tecnicamente, mas no futuro vai equiparar-se a Londres, que tem Westminster, tem Mayfair, tem Lambeth. Aqui estamos no Porto, temos Gondomar, Maia, Gaia, Matosinhos – é tudo Porto. E vai ser interessante ver – não acredito que em dez anos, mas em 20 – que isto vai implicar alterações políticas, na maneira de gerir a cidade. Em dez anos, acredito que este processo de investimento vai continuar, que o metro vai tornar a cidade mais pequena e que vamos receber mais museus e mais cultura. Acho que é importante para qualquer cidade e no nosso caso é importante que a oferta seja mais do que o WOW, ou do que o Centro Interpretativo Porto & Douro. Há capacidade para fazer mais coisas.

E acredito que, se continuarmos assim, esta riqueza vai atrair mais pessoas, o que é positivo. Porque aumentam as oportunidades para quem cá está. Se sou do Porto, posso ficar no Porto, porque existem oportunidades de crescimento. Não preciso de ir para Londres para ganhar experiência profissional. Estamos numa fase em que há muitos edifícios abandonados e muita gente ainda acha que vai encontrar um prédio super barato e fazer fortuna. Neste momento, qualquer casa com mais de mil metros quadrados é um hotel. É uma fase que se deve estender por mais cinco anos, até as pessoas perceberem que já temos o suficiente e que é preciso pensar em mais. E esta margem também vai expandir. Nos próximos dez anos, vamos ter o Museu da Cerâmica ali junto às Devesas, com um parque abaixo da linha do comboio que vai ligar essa zona. Se olharmos para a transformação da última década, tudo é possível.

Com uma agenda tão preenchida, tem tempo para desfrutar da cidade onde vive?
Tenho muita sorte, porque moro aqui no centro da cidade. Também viajo muito, mas diria que passo algum tempo na cidade e esta é a minha realidade: se vou a um restaurante na Avenida dos Aliados, vou a pé, vou correr na praia. É impressionante o número de coisas que é possível fazer nesta cidade. Quando vim para cá, em 1994, havia um restaurante, o Portucale. Eles usavam fatos escuros, tinham uma salada de camarão de entrada, um bife, um black forest gateau. Isto em 1994 e acho que o Portucale ainda lá está. Mas hoje, gastronomicamente, esta cidade é fantástica, fantástica. E a parte gastronómica é um pouco diferente da parte dos vinhos – é mais fácil para um chef exercer a sua profissão diariamente, enquanto um enólogo tem de esperar pela próxima vindima, é um mês por ano.

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