Aquiles Barros
© João SaramagoAquiles Barros
© João Saramago

Aquiles Barros: "O perfume é um segredo, mas não é assim tão secreto"

Com 68 anos, este engenheiro químico é dono da Castelbel, uma empresa de sabonetes que facturou 11 milhões em 2018 e que faz este ano 20 anos

Mariana Morais Pinheiro
Publicidade

Achilles de Brito, fundador da Ach Brito, era seu padrinho.

E por isso é que eu sou engenheiro químico.

Foi um destino premeditado por outros?

Quando eu nasci puseram-me na testa o carimbo de engenheiro da Ach Brito. Em 1973, quando acabei o curso, fui convidado a dar aulas na universidade e aceitei. Fui professor 40 anos. Os meus irmãos foram todos para a área de Direito, portanto, acho que já respondi. Desde miúdo que sonhava com a Ach Brito. A própria Ach Brito patrocinou o meu livro de curso [risos].

Contudo, há 20 anos fundava a Castelbel.

A empresa começou de uma forma acidental. Eu era engenheiro químico e um norte-americano, de Nova Iorque, chamado Jon Bresler, desafiou-me, em 1999, a fazer-lhe sabonetes. Desafiou-me a criar uma fábrica em que ele seria sócio e cliente exclusivo, mas queria que eu suportasse todas as despesas, o que era impossível. Então, falei com um amigo de infância, o Jerónimo Campos, que entrou com o dinheiro. Fizemos um trio em que o objectivo era produzir sabonetes para a LAFCO New York, a empresa de Bresler. Os meus amigos diziam-me todos: “Tu és palerma, então vais agora ter uma empresa só com um cliente? Isso é arriscadíssimo”. O Bresler queria que a empresa se chamasse Eurosoap. Até me arrepiei. Ficou Castelbel de Castêlo da Maia e beleza. Mas, infelizmente, as coisas são como são e passados três anos o Jon disse-me: “Olha, desculpa lá, mas não vou comprar mais nada. É melhor fechares a fábrica”. Mas nós não fechamos.

Infelizmente? Não há males que vêm por bem?

Exactamente. Nós tínhamos um cliente e agora temos mil clientes activos. Quinhentos em Portugal e 500 no estrangeiro. Mais coisa menos coisa. Tivemos alguma sorte, porque fui fazendo alguns contactos durante aquele período de três anos. Éramos muitas vezes contactados por agentes norte-americanos e dizíamos sempre que não era possível produzir para mais ninguém porque tínhamos exclusividade. Quando ele me despediu pelo telefone, comecei imediatamente a contactar esses agentes e, logo de seguida, a exportar para os EUA. Simultaneamente arranjei um contacto muito bom para a Zara Home. Eles estavam à procura de um fabricante de sabonetes. Foi uma coincidência que nos permitiu sobreviver. Começámos a fabricar em 2000 com seis pessoas e em 2003 já éramos 14. Desde então temos crescido todos os anos.

E agora quantos trabalhadores têm?

Somos 200. Esta loja [no Palácio das Artes na Rua de Ferreira Borges] há sete ou oito anos seria uma loucura. Neste momento tem tudo a ver com aquilo que somos.

E o que é que são?

Não queria ser muito vaidoso [risos], mas somos a principal empresa portuguesa do sector. Conseguimos ultrapassar empresas centenárias que, se calhar, andaram um bocadinho a dormir. Nós não. Nós não dormimos por causa da empresa. Dedicamo-nos muito. Temos uma projecção que, diria, é inigualável. Somos a que mais exporta no sector. Exportamos 80% da produção para países como os EUA e a Inglaterra. O futuro é a China, um mercado em crescimento, e temos ganhado terreno em muitos países asiáticos. A Ásia é o futuro. A Europa também é bastante forte, mas é mais tradicional. Por isso, andamos sempre à procura. Não há nada que nos passe ao lado.

Estão na linha da frente em termos de facturação?

Há dois factores importantes aqui. A facturação, que para mim é o segundo, e o número de trabalhadores. Num país como Portugal, em que o desemprego felizmente baixou, é importante falarmos disso. Temos muito fabrico manual. Queremos replicar o que se fazia há 60 e 70 anos. Cem dos nossos trabalhadores estão numa grande sala a embalar sabonetes. O dinheiro aparece por acréscimo. É muito mais importante para nós termos trabalhadores. Perguntam-me porque é que não arranjamos máquinas para os substituir. Podíamos fazer isso, mas dá-nos muito gozo dizer que somos 200. Se apostássemos em sabonetes mais simples, sem lacinhos e tal, podíamos reduzir o número de funcionários para 50, mas esse não é o nosso objectivo. Temos uma ligação afectiva com as pessoas que trabalham connosco há seis, oito ou dez anos, que não queremos destruir.

E o segundo ponto? A facturação?

Nós cavalgámos a crise. Em 2008 estourou a crise e em 2008 nós entramos em Portugal. Quando nos perguntam se a nossa exportação tem subido, nós respondemos que não. A nossa exportação tem descido. Porque até 2008 exportávamos 100% do que produzíamos. Agora exportamos 80%.

Porquê?

Tínhamos como cliente uma empresa norte-americana de luxo chamada Nordstrom que nos encomendou três linhas às quais demos o nome de Portus Cale, que é hoje a nossa linha premium, com velas e sabonetes. Mas por uma questão de economia de escala não podemos fazer menos de duas mil unidades. Aconteceu que a empresa só nos comprou 400 unidades e nós ficámos com 1600 em stock de cada uma dessas três linhas. Mas lá está, os tais problemas que são maravilhosos. E o que é que eu pensei? Vamos entrar em Portugal. Fizemos a nossa estreia numa feira em Matosinhos. Se vendêssemos 50 mil até ao final desse ano já dava para suportar as despesas. Acabámos por vender 300 mil. Quando as coisas correm bem, uma pessoa atreve-se. Nós somos muito pouco atrevidos, somos muito conservadores, mas também acho que somos espertos. Em 17 anos não houve um único ano em que a Castelbel não vendesse mais do que no ano anterior. Há 18 anos que subimos a facturação.

Dez milhões em 2017, certo?

Sim, e este ano [2018] pode atirar com mais um. Mas é cada vez mais difícil. Este milhão a mais tem-nos custado... meu Deus, e por isso é que temos de avançar com coisas novas e diferentes.

Por falar nisso, como é que se convence alguém a pagar 10€ por um sabonete que, na maior parte das vezes, nem é retirado do invólucro?

Nós fazemos uns workshops que começam com uma breve apresentação da Castelbel. Depois faço sempre uma pergunta: “Qual é o aspecto mais importante da nossa marca?” Elas respondem sempre: é a fragrância. E eu digo: a fragrância é o segundo factor mais importante, o primeiro é o visual. Se tiveres uma fragrância fabulosa numa caixa feiosa, ninguém vai lá cheirá-la. Por isso, sim, uma pessoa dá tanto dinheiro por um sabonete que depois nem usa, não é? Em 2017 produzimos seis milhões de sabonetes – eu costumo dizer que são seis milhões de gavetas felizes.

Mas cheirar bem também é importante. Vocês criam aromas de raiz?

Vou defraudar as expectativas. A indústria de sabonetes é uma indústria transformadora, onde o mais importante é a gestão. Temos de saber gerir as compras, as vendas, o pessoal. Um sabonete faz-se misturando coisas. Já ninguém faz fragrâncias, isso era antigamente. Hoje há fábricas de fragrâncias que contactamos e pedimos amostras com cheiro a lembrar
o o alecrim, por exemplo. Temos é de ser rigorosos na selecção.

Perdeu-se a mística dos perfumistas?

O perfume é um segredo, mas não é assim tão secreto. Há aparelhos onde meto um perfume que me dão a informação quase completa da sua composição. Hoje, copiar uma fragrância (e eu sei que é desagradável dizer isto) não é assim tão difícil. Também posso copiar a Coca-Cola, mas se lhe der outro nome ninguém compra, certo?

O que vai mudar com a nova fábrica?

Vai mudar muita coisa e estamos com medo. Na fábrica onde estamos fomos crescendo, estamos em dois pisos. Temos um monta-cargas que leva os sabonetes nus para o piso superior onde são embalados. Em termos de layout é péssimo. No novo espaço queremos fazer tudo num piso. Estamos à espera que a nova fábrica nos traga algumas vantagens em termos de rentabilidade, mas também estou com medo que o tamanho já não seja suficiente. O que nos preocupa neste momento é que não podemos parar de produzir. Temos quatro grupos de produção e estamos a pensar em transportar dois e manter os outros dois em funcionamento. Queremos ver se concluímos a mudança até ao final deste mês [Dezembro].

A mudança vai trazer novidades?

Vamos ter champô sólido. Há 70 anos não havia champô líquido e as pessoas lavavam na mesma a cabeça [risos].

Como seria um dia perfeito no Porto?

"Começava por tomar o pequeno-almoço num bar na praia de Leça da Palmeira e, depois, fazia uma caminhada pelos passadiços de madeira que existem ao longo do areal
e que não existiam quando eu era mais novo. Foram uma grande aquisição para a orla costeira. Se for Verão ou Primavera dou um mergulho no mar, que é uma das coisas que mais adoro. Não consigo estar longe do mar mais do que dois dias. Almoçava no Majára, um restaurante em Matosinhos, pedia uma francesinha ou uma posta à mirandesa, e ia ver um jogo de futebol ao Estádio do Dragão, que é um sítio muito importante para mim. Para ser mesmo, mesmo perfeito, só se fosse noite de São João. Adoro a festa."

Mais entrevistas

Publicidade
Recomendado
    Também poderá gostar
    Também poderá gostar
    Publicidade