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A tranquilidade terapêutica da cerâmica levou muito boa gente a enveredar por cursos deste ofício, mesmo nada tendo a ver com a respectiva profissão. As rodas de oleiro, as fornadas, os vidrados, as argilas, os moldes e as cores agarraram o coração de quem sempre achou que meter as mãos na massa era tarefa para os outros. Há quem o faça há anos e faça disto a sua profissão a tempo inteiro, há outros que dão agora os primeiros passos – de uma forma ou de outra, todos chegam até nós com a fragilidade e delicadeza de uma peça de cerâmica, seja ela perfeitinha ou tosca. Há por aí uma nova geração de artesãos da terra e, por isso, atirámos o barro à parede para perceber que ceramistas o apanhavam. Descubra algumas das melhores marcas portuguesas de cerâmica.
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Marcas portuguesas de cerâmica:
Studioneves
Luis Ferraz
É sempre Natal na hora de abrir o forno neste armazém na Estrada de Manique. Não saem de lá pãezinhos quentes, mas antes peças de cerâmica únicas, meio toscas e claramente trabalhadas com o charme e poder das técnicas artesanais, que finalmente podem estar no armário de casa de qualquer comensal. O famoso ateliê de cerâmica Studioneves, dos brasileiros Gabi Neves e Alex Hell, dedicado às cerâmicas de autor para restauração, lançou este Verão pela primeira vez uma linha de casa, acessível a todos online. Esta primeira coleccção foi criada com base num blend de massa único, e inclui nove modelos, entre pratos, taças e copos, todos disponíveis em branco, rosa e azul turquesa. Haverá nova colecção em breve.
Abriu loja em Lisboa, mas fechou-a. Não é por isso, no entanto, que a ceramista francesa Cécile Mestelan deixou de trabalhar a massa – agora fá-lo num novo ateliê no mesmo bairro e com o mesmo vigor de sempre. Pratos grandes, outros mais pequenos, taças, chávenas de café, copos, caixas ou bules – tudo feito cuidadosamente à mão, tornando cada peça única, e com um leque de cores que salta à vista. A loja online é o principal veículo de vendas, mas é possível fazer marcação para visitar o ateliê, onde a ceramista recebe também quem quer não só uma, nem duas peças, mas uma colecção inteira personalizada.
Rita Machado descobriu o seu amor pela cerâmica e é ela que todos os dias põe as mãos na massa para fazer nascer as peças especiais da clementinAtelier, que remetem quase sempre um universo da natureza e com texturas incríveis, das jarras aos pratos. Tudo combina harmoniosamente, como se de uma família de peças se tratasse, colecção após colecção.
A Grauº Cerâmica é um rebento da pandemia. Ganhou forças alimentado pelo tempo livre e pela vontade em pôr as mãos na massa de Isac Coimbra e Diogo Ferreira. O ponto de partida foram as máscaras de cerâmica, num estilo a que Isac e Diogo gostam de chamar “novo tribal”, a propósito da ligação de ambos ao continente africano e à arte tribal daquelas terras, onde foram buscar inspiração, reinterpretando-a. O leque cresceu para os móbiles, para os jarros e algumas peças de tablewear. É tudo feito à mão no pequeno estúdio, apenas a cozedura é feita fora. As peças da dupla continuam à venda no Instagram, no Facebook e no Etsy, para chegar a um público internacional.
Peças toscas, rugosas e minimalistas – é como a Ramos Cerâmica se mostra ao mundo, a nova marca que traz cerâmica de autor e peças de edição limitada a um preço justo e acessível, ao mesmo tempo que quer combater o desperdício. Patrícia Gonçalves é o rosto e as mãos que trabalham a argila da Ramos Cerâmica, que produz peças limitadas e únicas de forma artesanal. Para combater o desperdício, Patrícia criou também uma colecção composta pelas peças maquete, que vai produzindo ao longo do processo criativo até chegar às peças da colecção final. Estão para venda no site e algumas lojas, mas quem quiser deitar-lhes o olho pode marcar uma visita ao ateliê em Lisboa através do email hello@ramosceramica.com.
A Reshape quer voltar a dar forma à comunidade prisional através da cerâmica, mas com as mãos dos reclusos. O projecto, que está sob alçada da APAC, quer criar postos de trabalho e oportunidades de reinserção destas pessoas na socidade. Como? Através do exercício terapêutico que é a cerâmica, criando a marca Reshape Ceramics. Para já vende-se online e foca-se nas peças utilitárias de tableware como pratos, copos, bowls ou argolas de guardanapos.
O seu nome dá nome à marca. Ana Marta estudou escultura em Belas Artes, altura em que veio à tona a sua paixão por cerâmica, que se tornou no ponto-chave do seu trabalho. Com inspiração no universo feminino cru e na natureza, são peças moldadas à mão que ganham formas e texturas consoante a pasta que utiliza. Pode encontrá-la no Instagram.
Esta é cerâmica 100% portuguesa, claro, e uma marca com preocupações éticas e sustentáveis na produção das respectivas peças. Dedicam-se sobretudo ao fabrico de peças para a mesa, com conjuntos minimalistas de pratos e bowls simples, sempre com colecções novas a cada temporada. É estar atento.
As peças da Bisarro remontam também à tradição do barro negro, feito a partir da velha técnica da Soenga, um forno artesanal feito no solo que está na base do processo de transformação da cor do barro. O que a Bisarro tenta fazer é o equilíbrio entre a tradição ancestral e o design actual e utilidade das peças.
As criações em cerâmica de Anna Westerlund andavam por aqui e por ali, entre o site e as concept stores de Lisboa, mas desde que abriu a (TOGETHER), a sua loja no Chiado, que a marca deu aquele passo que precisava para se consolidar à séria e mostrar ao público este trabalho artesanal. Mais conhecida pelas peças de cerâmica coloridas, Anna Westerlund atirou-se também para o campeonato dos acessórios, com colecções de brincos que misturam vários materiais. As peças, feitas à mão, são únicas e podem juntar metal e missangas de porcelana.
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The Kiln Company
DR
A cerâmica negra faz parte da história ancestral do norte do país, que utiliza uma técnica que torna o barro negro sem usar qualquer pigmento de cor. Uma técnica que hoje já poucos se dedicam a ela, o que a torna única. A The Kiln Company encarrega-se, através de processos artesanais e de forma sustentável, de manter parte dessa tradição viva, assim como a natureza.
Serve de loja e de ateliê de cerâmica. Fica em Lisboa este estúdio criativo criado por Maud Téphany e Ursula Duarte, que é palco de workshops regulares de cerâmica, sempre em pequenos grupos para garantir um acompanhamento mais personalizado e toda a segurança. O espaço alberga também uma galeria e loja onde se vendem as peças que a dupla vai criando e dos próprios artistas residentes do Sedimento Studio.
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Mariana Poppe
DR
Mariana Poppe começou a participar em workshops nos tempos livres e apanhou-lhe o gosto, coisa que culminou na criação do seu próprio ateliê de cerâmica. Todas as peças da marca são feitas pela ceramista, à mão e com processos artesanais, e sempre em pequenas quantidades de cada vez, não havendo duas peças iguais. As suas criações são simples, minimalistas e o mais utilitárias possível.
Nascida em 2015 numa mesa de café em Berlim, a Madre é uma marca a pensar nos que passam a vida na cozinha e no escritório, tal como as designers responsáveis, Ana Areias e Raquel Rei. As linhas minimalistas e a versatilidade de cada peça marcam uma oferta feita em cerâmica, barro vermelho e vidro, com apontamentos em latão e em madeira. Copos, tábuas, pisa-papéis e vasos são alguns exemplos do que pode encontrar. A dupla de designers vai desenvolvendo edições limitadas onde testa materiais, técnicas novas e experimenta colaborações com outros artistas. Pode comprar online.
Os curtos anos de vida da Malga chegaram e sobraram para que Mariana Filipe conseguisse pôr as suas peças em todo o lado, de Lisboa a Grândola, Santarém, Porto ou Comporta. A Malga vem dos tempos em que Mariana se lembra de os pais cozinharem em panelas de barro, e do mestrado em design de produto que acabaria por ser aplicado na cerâmica. Aprendeu a modelar em roda de oleiro – e continua a usá-la. Dela nasceram os Cochos, a colecção em barro vidrado, com pratos, taças, chávenas, conchas e cortiços (pratos-tábua) e um sem número de encomendas personalizadas. Há ainda uma colecção de peças úteis para a casa.
Fundada em 2010, a marca Margarida Fabrica, criada por Margarida M. Fernandes, continua firme e hirta na produção artesanal de cerâmica. As peças de Margarida inserem-se quase sempre no universo da cozinha e em tudo o que é utilidade no dia-a-dia. Há copos, pratos, tigelas, jarras e até candeeiros, tudo discreto e minimalista.
Inspirada na azulejaria dos edifícios de Olhão, de onde é originária, a Casa Cubista é conhecida pelos seus traços e cores que aliam a tradição cerâmica à modernidade das criações. Pratos e pratinhos, jarros e jarrões, é escolher a colecção e ir fazendo pandã com esta ou aquela peça.
Maria Joana Duarte é a ceramista por detrás da Lagrima Studio. Formada em design de moda, organiza as colecções como mandam as estações do ano. Faz uma pesquisa de imagens, cores, espaços e tendências, que depois servem de base para criar peças novas. É no seu estúdio no Porto que, com pasta cerâmica, tintas próprias e vidrado, dá largas à imaginação e produz artesanalmente objectos únicos. Há taças, copos para chá ou café, jarras e tábuas. Está à venda em várias lojas no país, mas é online o maior canal de vendas.
Marta Malheiro dá o corpo ao manifesto pelo seu pequeno ateliê e pela marca Barro Alto, bem conhecida pelos pequenos vasos que são pés, com ou sem unha pintada. As peças feitas em barro de Trás-os-Montes são toscas – como manda a técnica artesanal – e provocativas, sendo que muitas delas ganham vida com boca, nariz e olhos.
“Nunca me imaginei a fazer cerâmica.” Quem o diz é Patrícia Lobo, artista que assina os candeeiros mais cobiçados de Lisboa. Já passou pela televisão, cinema, publicidade e teatro, mas trabalhar com as mãos passou a ser o seu mantra. Fez aulas de roda de oleiro e, embora já não a use, foi um bom ponto de partida para o que viria a seguir: a remodelação da sua própria casa. Fez os azulejos da cozinha e da casa de banho e, quando chegou a altura de pensar nos candeeiros, não encontrou nada em cerâmica com o design que procurava. Vai daí, criou-os. Linhas simples, estética forte, facilmente adaptável a qualquer estilo. Patrícia tem a colecção de candeeiros de tecto e de parede à venda no site e em algumas lojas em Lisboa, como a Maria do Mar e a June Studios.
A FAM, que se traduz por Feito à Mão, quer promover o artesanato português na sua essência mais pura mas com uma imagem contemporânea. É o sr. Joaquim, ceramista no Porto desde 1985, que faz artesanalmente todas as peças da marca que resultam de projectos de vários artistas, sendo depois lançadas em colecções limitadas. Há jarras, pratos, mesas ou azulejos para encomendar no site.
Há cada vez mais marcas de cerâmica à venda na cidade. A pensar no jeito que lhe podem fazer em casa, no presente original que podem representar ou até naquele jantar em que anseia por um brilharete à mesa, dizemos-lhe quais as melhores marca de cerâmica à venda no Porto.
Um simples bloco de barro pode ter infinitas possibilidades. Pratos, canecas, tigelas, terrinas ou vasos são objectos muito versáteis. Tanto servem para uso diário, como ficam bem a decorar qualquer casa. São também um óptimo presente para aquele amigo mais artístico. Se não sabe onde as encontrar, guie-se por esta lista com quatro lojas para comprar cerâmica no Porto. Por aqui vai encontrar lojas físicas ou online, que vendem peças mais clássicas ou mais modernas. Uma delas até lhe ensina a moldar o barro e outras técnicas que tais.
Peças toscas, rugosas e minimalistas – é como aRamos Cerâmicase mostra ao mundo, a nova marca que traz cerâmica de autor e peças de edição limitada a um preço justo e acessível, ao mesmo tempo que quer combater o desperdício. Os primeiros passos são dados com uma colecção de jarras.
O percurso nem sempre foi o de pôr as mãos na massa. Patrícia Gonçalves começou em nutrição, fez um curso de moda depois, mas nada dessas faculdades a fascinava o suficiente para se apaixonar pelo que fazia. Até começar, como hobbie, a mexer na argila. E foi amor à primeira amassadela.
Foi para as Caldas da Rainha tirar um curso a sério e voltou cheia de ideias e já com a vontade de ter a própria marca. Em plena quarentena, nasceu a Ramos Cerâmica – o nome em homenagem ao avô materno –, a sua marca de coração e que quer mostrar que é possível comprar peças únicas a preços amigáveis e evitar cair na demanda de uma casa ser igual a outras tantas.
“Queria uma coisa completamente despretensiosa, que não tivesse peças a preços proibitivos, que pessoas mais jovens pudessem comprar”, conta Patrícia. “O meu processo é todo manual, não tenho moldes, vou construindo a peça com o rolinho e demora algum tempo. Tudo isso torna as peças únicas.”
A primeira colecçãoJarrastem nada mais, nada menos que aquilo que o nome diz: jarras. São três, todas feitas com diferentes argilas e trabalhadas de diferentes maneiras. Essa é, aliás, uma das características que marca pela distinção: cada peça é acompanhada por uma breve descrição do tipo de materiais usados e das técnicas, “uma forma de dar a conhecer às pessoas o mundo da cerâmica”, diz.
Patrícia quer que cada colecção dure mais ou menos três meses e que não existam mais de 30 unidades de cada peça. Por serem feitas cada uma à mão, nenhuma é igual a outra. Todas são únicas.
EmJarrasencontra-se a jarra Menina e Moça (30€), uma peça que remete para as formas femininas, a jarra bojuda (65€), mais voluptuosa e com verga na abertura, e a jarra brinco (60€), mais rugosa e fina e com uma pequena pega superior.
Todas as peças estão para venda no site, que faz entregas em todo o país e para o estrangeiro, mas quem quiser deitar olho e sentir a argila como ela é pode sempre marcar uma visita ao ateliê de Patrícia, em Lisboa. As marcações são feitas por email (hello@ramosceramica.com) e a partir daí será divulgada a morada.
O desperdício na cerâmica é uma realidade desconhecida de muitos, mas existe. Não há reciclagem das peças e isso gera um excedente desnecessário, seja nas grandes fábricas ou em pequenos ateliês como o de Patrícia.
Para combater esse desperdício, que muitas vezes morre e fica atulhado algures, a ceramista decidiu criar uma colecção além da principal, que é composta apenas pelas chamadas peças maquete, que vai produzindo ao longo do processo criativo até chegar às peças da colecção final. Estas peças integram acolecçãoPrequela, disponível no site, e são disponibilizadas por um preço ainda mais acessível.
“Foi uma decisão muito óbvia para mim. Há cada vez mais preocupações com a sustentabilidade e, de facto, no nosso meio cerâmico há um desperdício inacreditável”, explica Patrícia. “Fazia-me confusão ter investido tempo, energia e recursos em peças que, apesar de maquetes, podem servir um propósito, e que iam acabar por morrer ali no ateliê.”
Até agora têm sido das peças com mais saída da marca. “Eu enquanto cliente ia adorar ter uma peça destas, mas enquanto criadora adoro ter uma série de artigos aos quais alguém vai dar uma nova vida em vez de irem para o lixo ou ficarem perdidos.”
É sempre Natal na hora de abrir o forno neste armazém na Estrada de Manique. Não saem de lá pãezinhos quentes, mas antes peças de cerâmica únicas, meio toscas e claramente trabalhadas com o charme e poder das técnicas artesanais, que finalmente podem estar no armário de casa de qualquer comensal. A estrutura ampla tem o caos de um estaleiro mas a tranquilidade terapêutica da cerâmica, não é por acaso que alberga o já famoso ateliê Studioneves. “Ele é o Studio, eu sou o Neves”, brinca Gabi Neves, cara-metade de Alex Hell com quem encabeça a marca que mudou a cerâmica de autor no Brasil e a sua relação com a alta-cozinha.
Foi na estreita e limitada área de negócio que é a cerâmica de autor na restauração que o casal encontrou o sucesso, mais especificamente por culpa do chef-estrela brasileiro Alex Atala, que fez uma encomenda para um menu do seu restaurante em São Paulo, o D.O.M., com duas estrelas Michelin. O início foi difícil, mas assim que começaram a cair encomendas de outros restaurantes, a coisa deu-se. E deu-se bem por uns valentes anos, até virarem a página.
Chegaram a Portugal em 2018 com pouco mais que a certeza de que seria mais seguro ficarem por cá que no Brasil, de onde trouxeram oito anos de experiência em cerâmica de autor e vontade de conquistar o mercado europeu. Do outro lado do oceano venderam o ateliê que tinham, deixaram para trás uma casa, uma mão bem cheia de clientes e a sensação de insegurança e sobressalto constante de um casal com filhos que não sabe quem está ao virar da esquina.
Não tinham clientes em Portugal, trabalhavam durante a noite para acabar encomendas que tinham ficado pendentes no Brasil e foi “basicamente começar do zero”, lamenta Alex. Se a cerâmica de autor era um caminho de nicho? Sim, era. Se era possível continuar a fazê-lo por cá? Sim, também. Alex e Gabi contam agora com 35 restaurantes-clientes em Portugal, entre eles o Feitoria, Shiko, FOGO, Bairro Alto Hotel, Rossio Gastrobar, Eneko, Fortaleza do Guincho, Plano, Midori ou Prado.
Em Espanha abastecem o Can Bosch (Girona e Catalunha) ou o El Celler De Can Roca (Catalunha), em França o Oka (Paris) ou o Mirazur (Menton), no Japão o Den (Tóquio). Há muito boa gente pelo mundo a comer na loiça destes dois brasileiros e, a partir de agora, mais haverá, sem necessidade de ir a qualquer restaurante.
Dez anos a fazer cerâmica para restaurantes implicam uma década em paralelo a receber a mesma mensagem: “Fui jantar aqui e vi a sua loiça. Dá para ter uma das suas peças em minha casa? Como compro?”. Gabi e Alex não foram vencidos pelo cansaço dos pedidos, foi antes pelo tempo. Pelo tempo a mais.
Só quando o mundo parou, por culpa da pandemia, e que obrigou todos a parar com ele, é que Gabi e Alex se decidiram: era agora. Era agora que o tempo parecia mais longo e que os prazos para chefs não existiam – estava tudo alinhado para fazer a vontade a outro público exigente.
“Aproveitámos agora que o planeta pediu um tempo para construirmos uma linha de consumidor final. O critério foi simples: pegámos em peças que deram muito certo nos restaurantes nos últimos 10 anos, altamente empilháveis, versáteis e resistentes, e pensámos a linha dessa forma”, explica Alex. “A vantagem de não trabalhar para restaurante é que podemos explorar as cores, porque a atenção não tem de estar na comida do chef agora.”
Esta primeira coleccção foi criada com base num blend de massa único e feito no ateliê, à qual os ceramistas juntaram ferro para fazer nascer uma argila mais terrosa e com mais textura. Habituados a produzir também material que tem de sobreviver a uso intenso nos restaurantes – da acidez às facas ou máquinas de lavar – esta colecção doméstica não é excepção desse cuidado.
Nesta loja pop up criada no sitedo Studioneves existem nove modelos, todos disponíveis em branco, rosa e azul turquesa – cores que, atenção, são obtidas com óxidos e não com corantes. “As pessoas escolhem o que querem, onde querem comer e o que é mais ideal para os hábitos de cada um. São nove modelos, mas com três ou quatro já conseguem ter uma linha de casa”, diz Gabi.
Existe o big bowl (59€), o breakfast bowl (26€), o comfort plate (31€), o desert plate (22€), dinner plate (32€), a oval platter (59€), o coffee cup (13€), o tall cup (19,60€) e a mug (29,50€).
Os stocks são limitados e a produção estica até a conseguirem manter em paralelo com a dos restaurantes. “Vai ser até enquanto der. É tudo muito natural, o nosso foco continua nos restaurantes, por isso trabalhamos nestas colecções até ser possível”, refere o ceramista.
No estúdio sente-se calma, mas ainda que possa haver azáfama – têm capacidade para cerca de duas mil peças mensais –, a cerâmica e os processos manuais não se querem acelerados. Cada um na sua linha de montagem, Gabi e Alex dividem trabalho com mais alguns funcionários da marca – ela trata do desenho, do torno e da modelagem propriamente dita, ele fica-se pelos esmaltes e cozeduras.
Não importa a quantidade, porque assim que têm a primeira peça de cada modelo feita o processo é o mesmo, e o tempo que cada uma leva na modalagem, secagem e cozedura é igual, seja uma peça ou mil. “Cada peça que nos pedem é sempre uma aprendizagem nova, nunca é um processo de automação, porque temos de desenhar, calcular o encolhimento da argila, ver o comportamento do esmalte, é sempre uma novidade e não tem que ver com a sua experiência na cerâmica”, explica Gabi.
O Studioneves é (e quer continuar a ser) o oposto da produção massiva. Quer continuar a casar o detalhe da cerâmica artesanal com o que é mais próximo da natureza, porque “a perfeição não existe e nós não queremos chegar lá”, afirma Alex. “A nossa cerâmica não é levada como um hobbie, é uma produção profissional, mas isso não implica que deixe de ser artesanal”.
Nada sai deste armazém em Alcoitão, o centro nevrálgico da produção, sem que Alex ou Gabi ponham os olhos – e os dedos. Tudo tem o toque de midas da imperfeição até porque é por isso que são conhecidos: peças mais toscas, quase sem brilho e com formas deformadas, tudo o que as aproxime o mais possível da natureza.
“Cada peça tem personalidade, são como filhos para mim. A gente cuidou durante 30 dias ou mais aquela peça, claro que tem de ter a nossa marca”, refere Alex, explicando que o tempo investido nas peças é fundamental para completar o processo manual.
E quando optaram por Portugal, não fizeram por menos – o processo faz-se todo ele em português. “É importante dizer que tudo aqui é português, o único que não é português aqui sou eu”, brinca Alex, porque até Gabi tem raízes portuguesas. O forno é português, a prensa é portuguesa e as argilas são portuguesas, da zona de Vagos, onde a tradição cerâmica é forte.
Há sustentabilidade na cerâmica?
Desde que o casal se mudou para Portugal, outra questão foi atirada para cima da mesa: a sustentabilidade do sector. Várias visitas a fábricas de cerâmica portuguesas, para consulta de fornecedores de material, levaram Alex a ver além das fachadas, a ver os bastidores de grandes produções industriais e o desperdício gerado.
“O que se faz com ele? Nada, absolutamente nada. Não há reciclagem nas grandes fábricas, o desperdício é astronómico e esse é um dos grandes problemas do sector”, refere. “Não há forma de moer de novo quando a peça já tem vidrado e, por isso, lá fica amontoado o que tem racha, o que não presta, ninguém pensa nisso”.
O descarte no StudioNeves, conta-nos Alex, acaba por ser mínimo: primeiro porque não têm produção industrializada, e segundo porque cumprem os tempos da volta lenta do forno, abrindo só quando arrefece, ao contrário das grandes fábricas que o fazem quando as temperaturas estão altas, acabando por estragar muitas das peças.
Perante o cenário de outras indústrias por cá, Alex e Gabi decidiram implementar outra logística no ateliê que implicasse novos comportamentos e uma ideologia mais verde, “tal e qual como faríamos na nossa própria casa”, diz Alex. No ano passado decidiram recorrer a uma consultora de sustentabilidade que os ajudasse a delinear esse caminho, calculando a pegada ambiental para perceber o que podiam mudar.
“Nós queríamos um pacote de acções exequíveis, que pudéssemos implementar aqui mas que fossem replicáveis por outros ceramistas como nós, porque de facto o problema é generalizado”, explica. “Reduzir a temperatura da queima e gastar menos gás natural era um dos nossos objectivos. Conseguimos reduzir 30% e até tornar as peças mais resistentes. Queremos fazer, provar que estas medidas funcionam e levar isso a outros para trabalharmos juntos neste objectivo sustentável.”
Também as embalagens mudaram, consequência destes novos hábitos. São de papel, isentas de qualquer tipo plástico e com fita-cola de papel ecológico, o que as torna 100% recicláveis.
A Ó! Galeria, galeria de ilustração fundada em 2009 por Ema Ribeiro, vive dias agridoces. Depois de ter sido forçada a encerrar o seu espaço em Lisboa, como consequência da acentuada queda de vendas durante o confinamento, tira, finalmente, da gaveta um projecto em que vem trabalhando desde o ano passado. A Ó! Cerâmica, novo espaço dedicado a esta forma de arte que pesou, também, na decisão de fechar a galeria em Lisboa devido ao grande investimento nele envolvido, inaugura esta segunda-feira, 1 de Junho.
À semelhança da casa-mãe, a Ó! Cerâmica fica no quarteirão das artes de Miguel Bombarda, numa perpendicular à rua principal (Rua Adolfo Casais Monteiro, 61). O novo espaço desdobra-se em loja, galeria e estúdio criativo e pretende “comercializar e divulgar o trabalho dos inúmeros e talentosos ceramistas nacionais e internacionais”, lê-se em comunicado de imprensa. Tal como acontece na Ó! Galeria, haverá um calendário regular de exposições individuais e colectivas dedicadas à cerâmica.
Além disso, estão previstas residências artísticas, palestras e workshops para iniciantes ou ceramistas com diferentes níveis de experiência. Esta é mais uma forma de resistência da Ó!, que quer “devolver à cultura, neste caso à ilustração e à cerâmica, todo o dinamismo e enorme criatividade que vinham demonstrando”. Por agora, pode visitar a Ó! Cerâmica em horário reduzido, de segunda a sexta das 14.00 às 19.00, e cumprindo as normas de segurança (uso de máscara obrigatório e higienização das mãos). E, já que está no bairro, aproveite e passe pela Ó! Galeria para comprar uma ilustração e ajudar à sua sobrevivência.
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