Chinaskee
Fotografia: Diana MatiasChinaskee
Fotografia: Diana Matias

Chinaskee: “Os concertos de rock fazem-me muito feliz”

<i>Bochechas</i> é o novo disco de Chinaskee, que nos quer pôr a suar e a salivar por concertos de rock. Falámos com Miguel Gomes.

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Chinaskee é o alter-ego musical de Miguel Gomes, inspirado no alter-ego literário de Charles Bukowski. Pondo o psicadelismo do primeiro disco de parte, embriagou-se de rock. O sucessor de Malmequeres (2017) chama-se Bochechas e é novamente produzido por Filipe Sambado, com participações de Vaiapraia, Primeira Dama e Bia Maria. São dez canções em que despeja o coração, a alma e traumas passados, expressando sentimentos negativos através da distorção. A partir das suas dores pessoais, criou um disco com muita vontade de fazer barulho e de ser tocado ao vivo.

Como é que foi o processo de criação deste disco?
Escrevi as letras primeiro, mas em vez de levá-las logo para a banda, tentava fazer primeiro a música completa só a guitarra e voz. É o que diferencia este disco do anterior. Agora faz mais sentido tocá-lo a solo – vai sentir-se falta da energia da banda, mas a música não vai perder nada. Dantes as canções viviam muito do que estava a acontecer à volta.

Isso é um bom teste para perceber se uma canção é mesmo boa, quando sobrevive só com voz e guitarra.
Essa foi uma das grandes dicas do Sambado: fazer um disco a solo, fazer as canções valerem por si mesmas e não por terem uma banda do caraças, que tenho, mas às vezes perdia o que queria dizer no meio de tanto floreado.

Voltaste a escolher o Sambado para produzir. O que te atrai nele como produtor, de que forma é que ele te ajuda?
É o homem mais giro à face da terra [risos]. Ele já me conhece há tanto tempo e conhece bem a minha música. Às vezes acho que ele percebe melhor o que estou a dizer do que eu próprio. Vai-me dando sempre confiança. Tenho trabalhado muito com ele, no último disco dele, no NOVA (pop) do Miguel Ângelo. Criámos uma boa dinâmica.

Este disco evoluiu para um som muito mais rock. O que te trouxe agora ao rock?
Principalmente a vontade de ver concertos rock, fazem-me mesmo muito feliz. Vi concertos muto fixes, como Thee Oh Sees ou Galgo em Paredes de Coura, em que a malta está a dançar e a respeitar-se ao mesmo tempo. Fazem mosh, mas ajudam-se a levantar uns aos outros. Eu quero fazer esses concertos e quero que as pessoas se sintam assim. Queria muito fazer um disco com pujança, para poder eu mesmo fazer crowdsurf a meio de uma música. Fiquei muito tempo a ouvir só Pixies, Nirvana, My Bloody Valentine, Car Seat Headrest e Sonic Youth para ficar mais inspirado pela distorção.

A distorção acaba por ter um efeito anestesiante.
Sim, vi um documentário sobre o riff de guitarra em que o Kevin Shields dos My Bloody Valentine dizia que uma vez por semana se juntavam, ligavam todos os amplificadores, tocavam com o volume máximo e ficavam pedrados, então queriam que toda a gente sentisse isso. As pessoas odiavam ou adoravam os concertos deles, porque não conseguiam respirar com tanto som. Mesmo que isso não seja possível fazer numa banda com as nossas dimensões, é um bom princípio. Quando os técnicos de som dos nossos concertos não conhecem a banda, eu digo: pá, imagina que estás a ver um concerto de My Bloody Valentine, põe tudo alto. Achas que está alto? Mais alto. Eles ficam todos contentes.

Mas o disco não tem um som abafado, ouvem-se bem todas as partes, as guitarras têm um som fixe.
Nós trabalhámos mesmo muito nisso e a equipa que juntámos foi a pensar nisso. Como é que vamos ter esta sujidade toda e mesmo assim ter um som o mais hi-fi possível, para se ouvir tranquilamente? Ou seja, o rock não vem de nós estarmos a fazer aquilo pesado, o som está bastante claro comparado com o primeiro disco. Aqui as vozes percebem-se. O disco foi gravado em live take, a maior parte das vozes são as vozes de guia, para ficar tudo com o máximo de energia possível.


Como é que estás a lidar com o facto de não poderes dar concertos com um disco pensado para concertos?
Estou a lidar a jogar a minha primeira campanha de D&D [Dungeons and Dragons], a ver vídeos na net, a chorar à noite, é um bocado isso. Tenho feito streams a jogar em que é a única maneira de estar com os dez fãs que eu tenho [risos], temos jogos em que todos os Pokémon têm nomes de bandas alternativas portuguesas. Em vez de fazer um live no Instagram, acho mais giro mostrar a minha vida de cromo. Porque depois as pessoas habituam-se mal a ver concertos de borla no telemóvel e já não querem pagar se for um concerto bem produzido. Para além das depressões clássicas de confinamento, tenho estado fixe.

Neste disco falas de coisas que te traumatizaram. De que forma é que a música te ajudou?
Esses traumas são de uma altura em que eu ainda não tinha a música tão presente. Grande parte das histórias são da escola primária, algumas do básico e secundário. Que me deixam um bocado sozinho, parece que continuo sem ter amigos, o que é totalmente mentira. Mas às vezes sinto-me sozinho, tenho-me emocionado muito. Estava a ver a Stella Donnelly a tocar e chorei baba e ranho. E no outro dia estava a comprar pão e comecei a chorar a ouvir o último disco dos Gorillaz. Acho que estou demasiado emocional com a falta de tocar. A música ajuda-me a estar em contacto com as emoções.

Mas és uma pessoa naturalmente sensível, és introvertido?
Sempre achei que era introvertido, e se calhar vem desses traumas, mas quando comecei o projecto Chinaskee, há sete anos, comecei a sair da casca. Agora toda a gente diz que sou maluco, falo com toda a gente, dou abraços a desconhecidos e digo que são os meus melhores amigos.

Não é o álcool que te faz fazer isso?
Provavelmente [risos].

Achas que a tua música pode ajudar outras pessoas que passaram pelo mesmo?
Estas histórias são muito específicas, mas toda a gente deve ter sofrido bullying alguma vez na vida. Acho que a maneira de isto ajudar é entreter as pessoas. Não adiámos a data do disco porque queríamos entreter, principalmente.

Sabendo o que sabes hoje, o que dirias ao teu eu adolescente?
Eu acho que ainda sou um bocado adolescente...

Mas que idade tens?
Tenho 24, mas eu jogo Pokémon! Até que ponto sou adolescente, criança ou adulto? Já não sei bem.

Acho que ninguém se sente verdadeiramente adulto.
Exacto, só quando começa a cair a Segurança Social e tudo mais. Na adolescência tive as primeiras bandas, fui estudar para a ETIC, comecei a encontrar um caminho fixe que queria seguir, comecei a rodear-me de pessoas que não se importavam que eu jogasse Pokémon ou que ouvisse Rammstein. Por isso, se falasse com o meu eu adolescente, diria para continuar com essas pessoas. ■

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