Nascidos das cinzas dos Hipnótica, os Beautify Junkyards chegam ao quarto álbum com uma formação que inclui João Branco Kyron (vozes e sintetizadores), Helena Espvall (violoncelo, flauta e guitarra acústica), João Moreira (guitarra acústica e sintetizadores), Sergue Ra (baixo), António Watts (bateria e percussão) e Martinez (vozes). Cosmorama expande o universo tropicalista e psicadélico da banda e pede o título emprestado a uma galeria que existia em Londres na era vitoriana, com projecções de locais distantes e exóticos, um portal para viajar no tempo e no espaço – no fundo, tudo o que pode esperar deste disco.
A vida de Filipe Sambado mudou muito desde a última vez que nos encontrámos. Depois da edição de Filipe Sambado & Os Acompanhantes de Luxo, o cantor e compositor conseguiu despedir-se do trabalho e dedicar-se a 100% à música. O novo álbum, Revezo, tem um pé no seu passado e outro no presente: musicalmente, e também porque a maior parte das canções nasceu antes da edição do álbum anterior, mas só se materializou em disco agora. Mesmo a tempo da sua participação no Festival da Canção, que o pode levar de volta a Elvas, uma das cidades onde cresceu e onde se vai realizar a final. Falámos disto tudo, ao longo de umas horas passadas entre a Graça e a Mouraria.
Há ano e meio, estavas a fazer novelas no Cacém e passavas o dia fora de casa. Continuas assim ou estás com uma vida mais calma?
Desde Janeiro do ano passado que deixei de precisar de ter um trabalho para além da música. Comecei a ver uma sequência de concertos positiva e tentei a sorte. Correu bem.
Nessa altura, pouco depois da edição do disco anterior, já tinhas escrito dez letras e 20 músicas novas. São essas canções que estão no novo álbum?
Estão oito delas e mais duas que não são dessa altura, a “Mais Uma” e a “Gerbera Amarela do Sul”. As outras já estavam todas mais ou menos acabadas.
E ainda te revês no que cantas, tendo em conta quanto a tua vida mudou?
Sim. Algumas canções têm uma ligação muito próxima daquilo de que estávamos a falar há pouco, o trabalho e tudo o mais. Mas a verdade é que não consegui largar totalmente esses hábitos. A diferença é que agora acordo cedo para ir para o estúdio trabalhar.
Este disco parece-me muito doméstico, muito ligado à casa.
Sim. A casa é o sítio onde me sinto reconfortado. Não tem de ser exactamente uma casa, porque algumas destas imagens têm uma dimensão um bocadinho maior. Sei lá, pode ser simplesmente chegar ao bairro e beber um café, passar um bocado com a minha irmã, estar com a [minha namorada] Cecília.
Quando fizeste estas canções andavas a ouvir muito o Fausto, e isso nota-se no Revezo. Mas não é a única referência do disco, pois não?
O Fausto tem um disco que me interessa muito e que separo do resto da discografia, que é o Por Este Rio Acima. Foi mais esse que andei a ouvir. Também andei a escutar o Zeca [Afonso] com um bocado mais de atenção, cada vez com mais cuidado. E andava a ouvir outras coisas, até que apareceu a Rosalía [com El mal querer] e me abriu os horizontes.
Em que sentido?
Percebi que podia fazer as coisas de uma certa forma, aproveitando aquilo que me era mais próximo e me interessava na música portuguesa, sem ficar preso a uma coisa anacrónica. Ela fez isso muito bem no disco, e de certa forma também era o que [o Fausto, o José Afonso e] eles todos andavam a fazer nos anos 70. E foram eles que me influenciaram. Quando estudo o folclore português, já estou a ir por uma terceira via. Não estou a estudar a chula, nem o corridinho, nem fandango, nem nada. Estou a estudá-los a eles, a perceber de que forma se apropriaram daquela linguagem, e como me posso apropriar disso agora.
Entretanto também estás a concorrer ao Festival da Canção. Como é que isso aconteceu?
Estava a tocar no [programa da Antena 3] Eléctrico e no final o Nuno Galopim convidou-me para ir ao Queer Lisboa apresentar um vídeo. E alguém aparece por trás, pelo ombro do Galopim, a perguntar se ele me estava a convidar para o Festival da Canção.
Não estava.
Ele disse que isso era para outra altura, mas percebi que vinha aí um convite. E fiquei em pânico, porque tinha ficado um bocado transtornado com a situação do Tiago, do Conan Osiris.
Porquê?
A reacção das redes. Tanto julgamento. Tanta opinião. Decidi logo aí que não ia aceitar. Falei com a Cecília e pedi para quando finalmente surgisse o convite ela me lembrar que tinha dito que não queria participar.
E ela esqueceu-se?
A Cecília lembrou-me, com o devido gesto, que era uma palmada na testa. Mas tive de perspectivar de que maneira é que isto me pode ajudar também. E de que maneira é que posso ir lá e dizer qualquer coisa, meter uma pedrinha na engrenagem.
Escreveste a “Gerbera Amarela do Sul” especificamente para o festival?
Sim. Aliás, eu acabei o disco, relaxei, e já tinha a letra escrita para o festival porque os prazos estavam a coincidir. E pensei: “agora vou para estúdio e vou fazer uma música à vontadinha para o festival”. Só que numa reunião com a Valentim de Carvalho percebemos que facilitaria bastante a comunicação se a música estivesse inserida no disco. Então tive que dar dois passos atrás, reinterpretar um bocado a música e rearranjá-la.
Não era assim originalmente?
Tinha este tom na interpretação vocal, e era por aqui. Mas já estava a tentar fugir do Revezo. Só que acabei por ter de fazer uma canção mais próxima do resto, mesmo sabendo que não é tão fácil como outras.
Como a “Jóia da Rotina”.
Que era mais imediata.
Perfeita para aquele contexto.
Ainda houve essa ideia, essa pressão, de escolher uma que fosse mais catchy. Mas para mim fez sentido fazer isto assim.
E se não fores a Elvas, não vais.
Vou noutra altura.
Ficas triste se não fores à final agora que sabes que é em Elvas?
Fico. Mas acho que passo à final. Não ganho, mas com jeitinho vou à final. E dá para ir lá comer a Elvas. Se calhar até fico em casa do meu primo.