Os Azeitonas nasceram em 2002 (um ano depois da Capital Europeia da Cultura) e a cidade era bem diferente nessa altura. Como é que encaram esta evolução do Porto?
Marlon: O Porto mudou drasticamente. Houve muita obra, muita coisa a acontecer, muita organização que faltava à cidade. Tem coisas más, obviamente, como um turismo um bocado selvagem e a especulação imobiliária, mas não se pode ter tudo.
Nena: Acho que a cidade melhorou muito. Olha a Casa da Música.
Marlon: Sim. E lembro-me de ter havido uns atritos porque o pessoal não queria mandar abaixo a garagem dos eléctricos, mas foi uma obra muito importante para a cidade.
Salsa: E a Baixa também não era completamente a Baixa.
Marlon: A Baixa não existia, era um deserto nessa altura. Lembro-me que quando abriu a Casa do Livro, eles queriam uma coisa de dia para o pessoal que trabalhava ali à volta.
E vocês, como banda, em que sentido progrediram ao longo destes anos?
Salsa: Antes, musicalmente, a cidade era um deserto. Uma pessoa para descobrir onde poderia tocar era bastante mais difícil. Mas nós começámos internamente – porque alguns trabalhavam no Pop, que era a antiga Dona Urraca – e fazíamos uma noite temática de 15 em 15 dias. Os primeiros concertos d’Os Azeitonas foram lá, mas também actuámos no Via Rápida e no Estado Novo.
Era uma coisa mais amadora…
Nena: Muito mais.
Marlon: Completamente. Isto começou como uma brincadeira. Aliás, acho que todas as bandas começam assim. Na altura nem fazíamos parte. Quem começou foi o Miguel [Araújo].
Nena: Numa viagem de finalistas em Ibiza... Depois, a coisa foi ramificando, uns saíram porque tinham que trabalhar, outros entraram.
Salsa: Um deles era professor na Católica. Um aluno descobriu e ele disse: “Não dá, não dá para isto”.
Agora que isto é a sério, ainda têm a mesma pica?
Salsa: Acho que temos mais pica. Antes era uma javardice.
Nena: No início a banda era muito trenga, éramos amadores, ninguém sabia cantar. Foi um crescimento muito gradual.
Marlon: Ainda bem que não houve aquele sucesso imediato, que às vezes estraga. A fama mais tardia foi melhor.
Alguma vez sentiram dificuldades por serem de cá?
Nena: Mais agora, até, do que na altura. Os Azeitonas sempre tiveram que lutar contra a maré. O facto de sermos do Porto complica.
Marlon: É mais difícil porque não estás em Lisboa e não tens aqueles connects. Tu, aqui, conheces pessoas do Jornal de Notícias e da RTP. Lá, estás nos copos e conheces pessoas que trabalham na RTP, na SIC, no Expresso.
Salsa: E chamamo-nos Os Azeitonas.
Isso prejudicou-vos?
Marlon: Houve sempre anticorpos, porque as pessoas sentem-se desconfortáveis.
Salsa: No início chegámos a ser convidados para um festival onde pensavam que éramos uma banda pimba. Literalmente, uma banda pimba.
Nena: Ainda hoje há pessoas, amigos próximos até, que nos dizem: “De facto, o nome não foi famoso, não vos fica bem. Deviam mudar para AZ”.
Marlon: Xutos & Pontapés também não é um nome fantástico. Nem The Beatles.
Salsa: Ou Red Hot Chilli Peppers.
Marlon: Cá não há muito respeito pelos artistas pop e pelo entretenimento. Tudo tem que ser muito denso e muito sério.
Como é que esse nome surgiu, já agora?
Nena: Foi por ser português, por ser kitsch.
Marlon: E a cena do azeite e do azeiteiro... Esse lado que nós curtimos de músicas pirosas mas boas.
Salsa: Explorar o limite entre o bom azeite e o mau azeite.
As vossas músicas têm sempre muito humor, ironia e brincadeiras com os clichés…
Salsa: Sim, mas quando não brincamos a malta fica confusa. “Vocês são uma banda com muita piada. É a gozar não é?”
Marlon: As pessoas riem-se de algumas coisas que não são para ter piada.
Salsa: E outras que são para ter piada, a malta leva muito a sério. Mas cada ouvinte transforma a música naquilo que quer.
Quando o Miguel Araújo saiu da banda, em 2016, ponderaram em algum momento terminar ou arranjar um elemento para o “substituir”?
Salsa: Nunca pensámos num substituto, até porque acho que é daquelas coisas que não funcionam. Falta uma segunda guitarra, mas nunca dizemos que estamos a substituir o Miguel, porque não estamos. Mas na altura discutimos todas as possibilidades.
Marlon: Pensou-se em parar e ir dando só uns concertos de vez em quando.
Salsa: Outra das opções foi continuar e o Miguel só tocar quando pudesse, mas achávamos que ia ser um bocado confuso para o público. A solução mais duradoura que encontrámos foi esta.
O que é que vos motivou a continuar?
Salsa: Primeiro, porque temos uma banda porreira: uma equipa de 20 pessoas a trabalhar connosco, 11 em palco e nove fora.
Marlon: E, depois, porque tínhamos vontade. Era o Miguel que compunha a maior parte das músicas, por isso, acabámos por aceitar o desafio de compor.
Como foi, então, esse processo neste último álbum?
Marlon: Serviu para puxar por nós. Nós já compúnhamos, mas enquanto o Miguel te apresenta 20 músicas, tu apresentas três.
Salsa: O Miguel compõe em catadupa.
Marlon: De repente, pensámos: “Temos que ser nós”, mas também foram outras pessoas. O Luís Ribeiro, o guitarrista que entrou para a banda, tem uma música dele.
Nena: Também gravámos com o André Indiana e como temos muita empatia e somos amigos, ele percebia o que é que nós queríamos e acrescentava, dava ideias. E como ele tem a parte da sabedoria técnica, ajuda também nesse aspecto.
Salsa: E abrimos a porta do estúdio para os músicos irem lá mandar bitaites também. O Paulo Gravato [saxofonista] acabou, também, por ficar como co-produtor do disco.
Marlon: Ter alguém que veja as coisas de fora é fixe. Estás ali no estúdio, estás fechado, estás a ouvir aquilo repetidamente e ficas preocupado com pormenores que não interessam para nada.
O que é que aprenderam sobre vocês, como pessoas e como profissionais?
Nena: Que somos capazes.
Marlon: Que é difícil, mas muito divertido.
Nena: Começar é que é complicado. Dar à manivela...
Salsa: Fizemos coisas que nunca tínhamos feito antes, como chegar a compor músicas em conjunto. E não houve pancadaria, estávamos todos até bastante alinhados.
Mas costuma haver?
Nena: Não.
Marlon: Nunca houve.
Salsa: Pode haver. Nos filmes vê-se muito isso [risos].
Por falar em filmes, qual é a história deste Banda Sonora?
Marlon: Isto começou tudo com o “Cinegirassol” e a história anda à volta do que se passa no videoclipe dessa música. A ideia foi pegar naquele triângulo amoroso e extrapolar essas personagens para o resto das músicas. E a ideia é lançar videoclipes para todas elas.
E como é que está isso?
Marlon: Neste momento faltam quatro, mas há um que já está feito e ainda não foi divulgado. Até ao fim do ano era espectacular lançar todos, mas não sei se vai acontecer.
Salsa: Os realizadores com quem trabalhamos têm liberdade artística e vamos discutindo. A ideia do “Efeito do Observador”, por exemplo, era cantada pela óptica do Homem.
Marlon: O que fazia sentido, porque foi composta por ti...
Nena: E a realizadora propôs: “E porque não ao contrário?” E pegou na personagem feminina do “Cinegirassol” para esse videoclipe.
A componente de animação também tem um grande peso neste álbum…
Marlon: Sim, está no “Fundo da Garrafa”, no “Cinegirassol” e no “Efeito do Observador”, que é feito em slow motion. E no “Oito e Meia” também, assim naquele revivalismo dos primeiros videojogos, porque a música é muito oitenteira.
Nena: E o “Não Há Direito” também tem muita parte gráfica.
Marlon: Esse já é um misto, uma transição da parte de vídeo com motion graphics por cima.
Qual é maior sonho d’Os Azeitonas? O que é que vos falta fazer enquanto banda?
Nena: Falta-nos um musical.
Marlon: Há muitos anos que falamos no musical. Eu até gozava que eram os Azeitonas On Ice [risos] mas, para já, o futuro passa por fazer mais músicas. Nós não fazemos muitas projecções, mas estamos com vontade de continuar.
Salsa: O desafio é procurar o desafio, não é?