“A seguir aos meus filhos, o fado é a minha vida. O
meu pai, Manuel Mendes, era fadista. Adormeço e acordo a ouvir fado.” Quem o diz é Rosa Meireles, dona do restaurante A Viela. Mas Rosa é mais do que a gerente de um restaurante, tal como A Viela é mais do que uma adega de comida tradicional portuguesa onde acontece fado vadio nas tardes de sexta-feira, longe do circo turístico da Baixa. Sem eles, Campanhã não seria a mesma coisa. Há muito que Rosa Meireles tem um papel importante
de assistência social
na freguesia, e o seu restaurante funciona como ponto de encontro para moradores e trabalhadores da zona – mas não só. “Vem aqui gente da Sé, do Cerco, da Ribeira, de muitos lados.” E também vêm ilustres. “Esteve cá o Marcelo Rebelo de Sousa e cantei para ele. E já tive aqui o Rui Moreira, o Manuel Pizarro, o Helder Pacheco, o Pacheco Pereira, o Mário Moutinho e
o José Soeiro.” Gisela João já cantou aqui, quando dava os primeiros passos. José António Pinto, o assistente social mais conhecido por Chalana, figura incontornável de Campanhã e “camarada” de Rosa, é frequentador assíduo d’A Viela, onde volta e meia toca canções de intervenção. Também há lugar para ela num livro: Porto, Última Estação, da jornalista Mariana Correia Pinto.
Benfiquista e comunista nascida na Ribeira, desde pequena que Rosa conhece bem as ruas e as gentes de Campanhã. “Vivi muitos anos com a minha madrinha no Heroísmo e vinha entregar bananas às mercearias aqui da zona. Toda a gente me conhece.” Com casa em Rio Tinto, foi lá que inaugurou o primeiro restaurante, a Casa Meireles. Entretanto abriu este negócio em Campanhã,
na Travessa de Miraflor, com o apoio do filho André. “A minha vida estava destinada a passar por aqui.” Nos últimos anos
viu muita coisa a mudar para melhor. Em boa parte graças
à influência do espaço Mira Fórum e do trabalho de Manuela Matos Monteiro, que está à frente do projecto. “Desde que o Mira veio para cá, a zona de Miraflor mudou 200%”, considera
Rosa, que acolhe regularmente eventos culturais e jantares especiais para quem passa no Mira Fórum.
Já o fado existe desde sempre n’A Viela. Acontece às sextas entre
as 16.30 e as 19.30. Nestas andanças, o cúmplice de Rosa é Júlio Loureiro, antigo presidente da Junta da Freguesia da Vitória que conhece o fado vadio no Porto de trás para a frente, além de organizar vários eventos neste circuito – em muitas colectividades mas também em sua casa, nas Taipas, “com fado e cabidela” na Primavera e Verão. É ele que apresenta as tardes
de fado n’A Viela. Quando está prestes a começar, baixam as luzes – mas a cozinha continua
a trabalhar para que não faltem iscas de bacalhau, moelas, rissóis, papas de sarrabulho e vinho. A casa está cheia e dá-se as boas-vindas ao primeiro fadista, Emílio Vilaça, acompanhado por Eduardo Jorge na guitarra portuguesa e Ângelo Jorge na viola. “Cantem bem ou cantem mal/ Para mim é natural/ O que conta é a intenção”, canta Emílio num hino ao fado vadio. Muitas pessoas no público fecham os olhos enquanto ouvem, outros vão cantando de boca cheia. A seguir entra Maria Augusta, vestida a rigor, com uma voz que é um portento, que merece ser ouvida por toda a gente. “Não há fado vadio como aqui no Porto. Há muita qualidade e é aqui que se aprende”, diz Júlio Loureiro. Para eles, o fado vadio é um modo de vida.
Fado: Sex 16.30-19.30