As comparações surgiram enquanto planeava uma viagem ao Egipto. Afinal, que procuram os turistas em Lisboa? Quem são, que elogios deixam, e que queixas apontam à capital mais solicitada dos últimos tempos? Nada melhor que um infiltrado na fila para a Torre de Belém, à boleia de um tuk-tuk, ou à escuta do fado para tomar o pulso aos nossos turistas e à forma como os recebemos. A experiência está num pequeno volume da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Turistas e dilemas para todos os gostos
Comecemos pelo fim. E você, preferia passar um dia em Alfama ou ir à Torre de Belém? Não é uma escolha fácil, em especial se tiver passaporte estrangeiro e tiver acabado de aterrar na cidade da moda. “Essa é a grande conclusão a que o livro chega. Tudo é relativo e depende muito do que a pessoa quer. Não se pode imaginar hoje a figura do turista estereotipado com a máquina ao pescoço. Temos o turista jovem com uma app na mão, que faz tudo sozinho e domina o Airbnb, viaja de Uber e chega de low cost. Continuamos a ter o turista da máquina fotográfica ao pescoço, e pelo caminho temos outras configurações.” Qual turista infiltrado em Lisboa, Bernardo dividiu-se entre um programa de baixo orçamento, com check in num hostel, e diferentes percursos organizados.
O guia, essa figura-chave
Convenhamos, não é preciso ser diplomado em História para ter alguma curiosidade pelas raízes do nosso destino. É aqui que entra a figura do guia, um mestre de cerimónias nem sempre à altura da circunstância. “É difícil ainda chegar a este equilíbrio. Encontrei pessoas que não se deram ao trabalho de contar a história da cidade. No Terreiro do Paço, por exemplo, ninguém disse que um rei ali morreu. É importante perceber certas coisas. E há formas divertidas de fazer isto.”
A pequena manha tuga
Parece um cliché, mas o facto é que sobrevive (sim, há taxistas que partem do aeroporto rumo à ponte Vasco da Gama, para regressarem a Lisboa pela 25 de Abril). Em todo o caso, Bernardo garante que a manifestação da manha não foi tão grave como esperava. A enorme massa anónima dispensa saques ao nível de uma Operação Marquês, ficando-se pela prática de pequenos truques. “O mais comum é aquele arredondamento para cima na conta, ou trazer bebidas grandes em vez de pequenas. É enganar mas só um bocadinho. É impossível o ser humano ser 100% honesto, mas conseguimos viver bem com o pequeno engano. ”
Positivamente cliché
Temos calor humano e simpatia para dar e vender, um cartão de visita indiscutível e capaz de suavizar algumas notas menos positivas. “Os turistas não esperam tanta disponilidade. Há mesmo aquelas histórias da pessoa que faz um desvio enorme para mostrar o caminho a alguém. Ao fim do dia, as pessoas recordam quem as recebeu bem, e é esse o estereótipo que fica.”
Queixas, queixumes e outros lamentos
Ao início, é possível que os turistas se desfaçam em palavras doces e visões generalistas. Se os confrontar com perguntas específicas, talvez se depare com alguns reparos. “Achei que a comida ia ser adorada, mas não é bem assim. Um grupo de americanos queixou-se da falta de vegetais, por exemplo.”
Lisboa, genuína e moça
Agora que a palavra gentrificação entrou de pedra a cal no dicionário urbano, e que o som dos trolleys na calçada rivaliza com um concerto de noise, ainda é possível oferecer uma experiência genuína a quem chega de fora? “Acho que sim. Lisboa é muito mais genuína do que a maior parte das capitais europeias. Ainda. Embora critiquemos muito, passámos a ter uma baixa com vida e uma cidade revitalizada. Claro que temos problemas mas não vou deixar de beber a bica porque há mais turistas.”
Balanço final
Há aspectos a afinar, admite Bernardo, mas é preciso lembrar que estamos a correr atrás do comboio europeu em matéria de crescimento de turismo, “e estamos a fazê-lo bem, atenção”. Para um roteiro menos usual na cidade, pare no Lisbon Story Center, visite o Museu do Traje e aprecie a vista dos miradouros. Pode apanhar um tuk-tuk, mas marque antes para não correr mal, um conselho de infiltrado.