Depois de hygge e de lagom, sai mais um conceito da Escandinávia para nortear o dia-a-dia. "Felicidade" é a fórmula proposta por Meik Wiking.
Nota: À semelhança de outros volumes do género, o Pequeno Livro do Ikigai - O Segredo Japonês para Uma Vida Mais Feliz e Mais Longa, funciona menos como cartilha para o dia-a-dia, ou manual de auto-ajuda, e mais como compêndio de história e costumes, e nesse sentido vale a pena o mergulho. O leitor não descobrirá a pólvora — a assunção de que a felicidade está nas pequenas coisas, ou que devemos aceitar-nos tal como somos, tem barbas, mas poderá viajar por alguns detalhes curiosos do quotidiano nipónico, muito para lá de conceitos eventualmente vagos como "a beleza sensorial do ikigai", "fluxo e criatividade" ou "ikigai e sustentabilidade".
O autor é Ken Moji, neurocientista, investigador nos Sony Computer Science Laboratories, e professor no Tokyo Institute of Techology. Aquele que foi o primeiro japonês a fazer uma Ted Talk, em 2012, começa estas quase 200 páginas à mesa, mais concretamente em 2014, quando o então presidente dos EUA Barack Obama fez uma visita oficial ao Japão. O encontro de cariz privado com o primeiro-ministro japonês decorreria no famoso Sukiyabashi Jiro, um dos restaurantes mais respeitados no universo do sushi, gerido por Jiro Ono, o chef com três estrelas Michelin mais velho do mundo (actualmente tem 92 anos). E se uma experiência gastronómica no seu reduto é testemunhar de perto uma combinação de talento e determinação, segundo o autor Ono tem acima de tudo ikigai, ou iki (viver) gai (razão), um preceito aplicável a grandes desafios e a vulgares proezas do dia-a-dia.
Em suma, para alguém como Ono, é tão motivo de ikigai receber um elogio de Obama como desfrutar da chávena de café que bebe todos os dias pela manhã — "certa vez referiu que o seu desejo é morrer a fazer sushi", acrescenta Moji. Claro que nem tudo são rosas, pelo menos para as mulheres aspirantes a um lugar neste domínio, algo que é uma raridade — na obra nunca se fala, por exemplo, da polémica explicação dada em entrevista por um dos filhos do sushiman sobre a ausência de fêmeas: "é porque menstruam".
Qual etos de boa saúde e longevidade, o ikigai é especialmente analisável em pontos como Okinawa, grupo de ilhas e viveiro de centenários. Os testemunhos evocados incluem o do mestre de karaté com 102 anos que vive para as suas artes marciais, o do pescador empenhado em apanhar peixe para a família, e da tetravó que encontra o seu ikigai ao pegar a tretaneta ao colo. Aqui estamos de regresso às pequenas grandes alegrias da vida. Em suma: o ikigai é a razão para se levantar de manhã, dá um proposito à vida. "As pessoas com ikigai têm um risco reduzido de sofrer de doença cardiovascular".
Os benefícios de pensar em pequena escala são tratados com passagens por tópicos como a confecção de tigelas de ramen, ou o comércio de peixe no mercado de Tóquio. Mais uma vez, este fresco das práticas e rotinas revela-se o mais enriquecedor, e formador. Hiroki Fugita, por exemplo, explica-lhe tudo sobre a compra do atum — fique a saber que os exemplares de cor vermelha e brilhante não são o melhores, contrariando o senso comum.
De resto, e como esperado, nem tudo é invejável do outro lado do muundo. "A inibição da manifestação de singularidade sufocou o sistema educativo do japão, que tende a pôr em destaque a conformidade em vez da diversidade entre indivíduos", nota o escritor.
Pegue nos pauzinhos, ataque os seus rolinhos, e leia sem pressas.
O Pequeno Livro do Ikigai
(O segredo Japonês para uma Vida feliz e Mais Longa)
Ken Mogi
Editorial Presença
13,05€