Os fotojornalistas Adriano Miranda e Nuno André Ferreira passaram um ano embrenhados nas vinhas do Dão, uma região em que a modernidade se cruza com a tradição e a ruralidade.
Uma mão repousa sobre o peito nu. Dele, irradiam cicatrizes: marcas na pele em forma de linhas; lesões que atravessam o corpo humano e que, hoje, simbolizam o empoderamento e a normalização da silhueta feminina. As estrias também ocorrem em homens, mas é quando aparecem no corpo das mulheres que geram maior alarido. Gustavo Serra, fotógrafo de 28 anos, sabe-o. A fotografia das estrias foi das últimas que fez e uma das que lhe merece mais atenção. Não pela estética que provoca ao olho, mas pelo simbolismo que se encontra nela. Foi este o ponto de partida para uma conversa sobre como a fotografia pode ser encarada como um exercício de dignificação humana e como a sexualização da anatomia feminina é um produto tóxico da nossa sociedade.
“Tenho amigos que, em jeito de brincadeira, perguntam se fotografo mulheres para as ver nuas”. Para o fotógrafo da Covilhã este é um indício subtil do preconceito que fotógrafos como ele enfrentam aos olhos dos outros. O mesmo ocorre com as mulheres que pedem para ser fotografadas. Mas o objectivo de Gustavo ao fazer retrato feminino, sobretudo nus, é precisamente “contrariar essa ideia”. A discussão, reflecte, é sempre levada “para a esfera sexual”. “É uma luta que quero acreditar que está mudar”, diz, para em seguida notar que continuam a existir alguns entraves. Por exemplo, nas redes sociais como o Instagram, que “censura o mamilo feminino” e que “deixa postar fotografias de homens em tronco nu”.
Enquanto fotógrafo, como se faz oposição à sexualização do corpo da mulher, perguntamos-lhe. Como é que se consegue passar para a fotografia uma consciência moral? Acima de tudo com “comunicação”, responde Gustavo. “Pondo a decisão [do que vai ser feito] nas mãos da pessoa e tentando extrair algo dela”. “Sou adepto de liberdade, de mostrar o lado natural de cada um”, descreve. Depois, “há sempre outras variáveis que entram em jogo e que alteram o rumo das sessões”. Uma coisa que Gustavo acredita ser importante é que as pessoas, sobretudo as mulheres que se deixam fotografar por ele, entendam que a vulnerabilidade com que se apresentam diante de si tem de ser vista como “uma afirmação perante o mundo”. Ao mostrarem-se sem roupa, ao correrem, rebolarem ou posarem, estão a mostrar-se aos outros e a aceitarem-se.
Gustavo acredita que esta é uma forma de participar “na defesa da igualdade de género”. Enquanto fotógrafo, tenta transformar em arte a confiança que as pessoas – algumas desconhecidas – depositam em si. Afinal a fotografia pode ser uma forma de activismo numa altura em que a cultura visual de consumo rápido tomou conta dos nossos telemóveis.
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