Num mundo saturado de imagens, a fotografia acaba por ser banalizada, mas não é por isso que deixa de ser uma boa forma de entender o que nos rodeia. Estes livros de fotografia dão uma ajuda.
A rotina começa cedo, ainda o sol não se mostra. O objectivo é estar dentro de água quando os primeiros feixes de luz se espelham na água e a luminosidade se reflecte na cintura de edifícios altos construídos à beira-mar na Costa da Caparica. José Sena Goulão, 41 anos, cresceu de pé na areia. Primeiro veio o bodyboard. Depois, o surf. Uma lesão nas costas impede-o agora de se fazer ao mar numa prancha, mas o bichinho ficou. Afastado das ondas, começou a pensar como poderia voltar – lembrou-se de que poderia servir-se do que faz melhor e divertir-se na água enquanto fotografa amigos a surfar.
“Foi a maneira de voltar para dentro de água”, explica à Time Out o fotojornalista da agência Lusa. “No meu trabalho, a maior parte das pessoas não quer ser fotografada.” Seja nos retratos, nas conferências de imprensa ou nas manifestações. Há uma sensação de intrusão que, na água, “é diferente”. “[No oceano] há uma dinâmica em que pareço bem-vindo”, diz. Por agora, só fotografa amigos ou conhecidos e fá-lo sem qualquer tipo de pressão. Chega mesmo a ser terapêutico.
Começou a aventurar-se no mar em Fevereiro. Mas, nove meses depois, ainda continua a ser “uma aprendizagem”. Há que ter em conta a corrente, a ondulação e a zona de rebentação – há “praias em que cada onda quebra no seu lugar”. Fotografar dentro de água não é tarefa fácil. “Existem N variáveis.” O esforço físico, o perigo de estar sujeito à força das ondas, mas também a dificuldade técnica, seja pelas gotas de água presas à objectiva que se notam na imagem, ou o foco desviado.
Só há três meses conseguiu convencer alguns dos amigos a fazerem-se ao mar ainda de madrugada. Estar na água no momento em que o sol irrompe pela linha do horizonte confere às imagens uma aura de renascimento. Este exercício tem-lhe permitido descobrir um estilo diferente de fotografar, uma vez que, na agência de notícias em que trabalha desde 2008, às tantas sente-se pré-formatado para fotografar sempre da mesma maneira, obedecendo às normas estritas da imprensa.
Nas imagens de Goulão não é a acção que conta, mas sim a reacção, a composição. O fotógrafo também quer fazer as imagens que todos conhecem de surfistas a rasgarem a água em tubos perfeitos ou em manobras suspensas no ar. Tudo a seu tempo, diz-nos. Ir ao mar e fotografar quem lá passa tem-se revelado um exercício de descoberta, um balão de oxigénio que lhe permite olhar e registar o que está à sua volta de uma forma mais livre. Quase como se estivesse a fotografar num universo paralelo.